” características como coragem e, ao mesmo tempo, controle emocional são primordiais. Naquela ocasião não existia espaço para pipoqueiros ou bailarinas… não existe tarefa mais árdua do que convencer jogadores milionários, com egos super inflados, a subjugar seus ganhos individuais em prol do interesse da equipe… “
O estádio do Rosário Central, o Gigante de Arroyito, é um verdadeiro alçapão; lembra muito La Bombonera, o lendário estádio do Boca Juniors onde a distância entre o alambrado, o gramado e as linhas do campo são quase inexistentes.
Naquela noite, a torcida colocava pressão no jogador, xingando constantemente e lançando objetos diversos sobre o campo. A impressão que se tinha era que a torcida estava pronta para invadir a qualquer momento. Basicamente, jogar num lugar desses é como jogar dentro de um inferninho. O ambiente era tão hostil que o Gigante de Arroyito, naquela noite, fazia a Bombonera parecer uma Disneylândia.
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Clique aqui para entrarA pressão em volta desse jogo era monumental. O seguro, consistente e inteligente zagueiro central da Seleção Brasileira Amaral me disse por telefone: “Fomos dormir às cinco da manhã. Eram fogos que não acabavam mais. A polícia fechou as ruas em volta do hotel somente por uma quadra, ao invés de uma área maior. Eram fogos de artifícios a noite inteira. E eles ainda miravam no hotel e nas janelas dos quartos onde estávamos”.
Assim sendo, não é um jogador qualquer que tem a disposição e o caráter necessários para enfrentar uma parada dessas. Ao mesmo tempo, para aturar um desafio desses requer-se um tipo de jogador muito especial e com uma personalidade distinta. Portanto, características como coragem e, ao mesmo tempo, controle emocional são primordiais. Naquela ocasião não existia espaço para pipoqueiros ou bailarinas.
Seria um desafio muito grande encontrar um jogo dentro do cenário futebolístico hoje em dia com tamanha vitalidade, vigor físico e marcação acirrada quanto naquela partida da Copa do Mundo de 1978 entre o Brasil e a Argentina, um jogo que para a história ficou conhecido como a famosa “Batalha de Rosário”.
Vale a pena lembrar também que os juízes de futebol de outrora tinham mais tolerância a infrações e permitiam lances muito mais violentos e duvidosos do que hoje em dia.
Naquela ocasião, as divididas em campo muitas vezes passavam bem perto do limite do que era permitido pelas regras do jogo.
Em suma, não é qualquer um que consegue preparar um grupo de jogadores para tamanha façanha na casa do anfitrião. E foi essa disposição incessante em torno do vigor físico, da marcação implacável e da cobertura dos espaços demonstrada pelos jogadores de Coutinho que me impressionou, além do fato de estarem encarando o adversário de igual para igual.
Naquele jogo, o espírito aguerrido, a motivação e disposição extrema de nossos jogadores, e a organização tática em todos os elementos especialmente no sistema defensivo sem a posse de bola foram um fator histórico e inédito dentro do nosso futebol até aquele momento.
A coragem demonstrada pelos jogadores brasileiros naquele jogo é simplesmente inesquecível e um marco para a História do futebol brasileiro. De imediato, cheguei à conclusão de que aquele comportamento de nossos jogadores era especial e uma pessoa com muita capacidade de liderança e de gerenciamento humano estava por trás de tamanha façanha.
Afinal, quem ali dentro daquela Comissão Técnica estava apto para preparar o Brasil tão bem no aspecto psicológico do jogo? Foi a pergunta que fiz de imediato após ter visto aquela partida.
Seja a preferência do telespectador por um jogo mais ofensivo ou defensivo, fica claro que o empenho demonstrado pelos jogadores brasileiros tenha sido inegável. Portanto, a pergunta acima se torna ainda mais relevante.
De imediato, tive em vista saber se ali existia um psicólogo na Comissão Técnica brasileira. Afinal, o Brasil havia feito o uso de um psicólogo em 1958 e 1962, mas nada comprovava a utilização de um profissional da área em 1978, durante a Copa do Mundo. Havia rumores de que sim. Perguntei a diversos jogadores que jogaram naquela Seleção e nenhum deles confirmou a presença de um profissional dessa área na Comissão Técnica.
Então, fiz uma pesquisa dentro da literatura acadêmica e encontrei um estudo delineando a passagem de profissionais da Psicologia Desportiva na Seleção Brasileira. Nesse artigo, havia um relato sobre a passagem de um psicólogo com a Seleção de 1958 e 1962, mas nada com a Seleção de Claudio Coutinho.
Querendo realmente passar a limpo de uma vez por todas a questão, resolvi contactar as pesquisadoras que escreveram o artigo para saber se os psicólogos de 1958 e 1962 haviam também passado pela Seleção de 1978. Uma das pesquisadoras me respondeu dizendo que, definitivamente, esse tal profissional nunca havia trabalhado naquela Seleção. Apesar dessa confirmação, a pergunta ainda me inquietava, permanecia em aberto até então. Quem de fato poderia ter tamanha capacidade para liderar e preparar esses guerreiros de forma tão viril para uma partida de futebol? Eu tinha certeza de que ali tinha a mão de alguém muito preparado e com muita experiência para mobilizar um grupo de atletas em torno de objetivos comuns.
Naquela ocasião, eu ainda estava num momento inicial sobre minha curiosidade a respeito de Claudio Coutinho e sua passagem meteórica dentro do futebol brasileiro. Mas, à medida que avancei na minha pesquisa sobre esse grande técnico, comecei a observar que ele possuía um dom pouco averiguado e discutido.
Seguramente, a sua capacidade de liderar, motivar, gerenciar, empatizar e de se comunicar com um grupo de jogadores de forma tão eficiente foi uma de suas virtudes menos estudada ao longo dos anos. Vale a pena lembrar que, em geral, Coutinho e seu legado foram pouco analisados e estudados.
Uma das maiores virtudes de Claudio Coutinho era sua flexibilidade de raciocínio. Ele demonstrava essa habilidade no trato com cada jogador de forma específica para a necessidade de cada um. Também mudava a escalação da equipe conforme as particularidades dos oponentes. Paralelamente, tinha habilidade para escolher os melhores para as necessidades de um determinado momento.
Consequentemente, mostrou sua perspicácia na partida disputada em Rosário quando colocou o temido Chicão, ao lado de Batista, com o intuito de fechar completamente o meio, formando uma barreira em frente à defesa brasileira. Porém, curiosamente, não foi só o requisito tático que o fez escalar Chicão. A ocasião exigia alguém com muita personalidade e “huevos” de sobra. Com efeito, o volante de contenção e da várzea era um gigante psicologicamente, incapaz de amarelar em qualquer momento e muito menos numa ocasião tão solene e crítica como foi aquela partida. Igualmente, Chicão era frio, calculista e consistente na maneira de jogar.
Antes da Copa, Chicão havia dito à Revista Manchete Esportiva:
— Eu me controlo. Agora mesmo, no Chile, jogando a Libertadores, peguei dois times cheios de jogadores argentinos. O Palestino e o Unión. Levei cotovelada na boca, até sangrou; fiquei quieto. Depois, levei outra, reclamei com o árbitro Ramón Barreto, que disse que meu adversário fizera “sem querer”. Aguentei tudo. Apenas, no final, chamei o lateral deles e disse: “Gringo, fique sossegado que, no Brasil, eu te pego”.
Ele era um líder dentro do campo e, naquela noite em Rosário, foi o mandachuva do duelo. Em completa comunhão com Batista, preconizou uma incessante vigilância dentro da defesa do time brasileiro. Por serem jogadores de defesa, infelizmente, nunca tiveram o devido reconhecimento no nosso futebol.
Quando perguntei ao jogador Amaral se Chicão era comunicativo durante o jogo, no meio de uma partida, ele me disse:
— O Chicão dava a vida para ganhar o jogo e para te ver bem. Ele era um cara humilde, mas que não pipocava de jeito nenhum. Se ele via algum jogador do outro time fazendo jogo desleal contra alguém do nosso time, ele partia pra dentro, chegava em cima e falava: aqui não, aqui o pau vai comer e caçava o cara na hora certa. Ele nos dava uma segurança total.
Naquela noite, o time comandado pelo Capitão Claudio Coutinho jamais se intimidou e chegou a bater até mais do que os argentinos. Não é qualquer técnico que consegue passar tamanha coragem para um grupo de jogadores, ainda mais nas condições em que aquele jogo foi disputado. Em certos momentos, pode-se observar que os argentinos estavam mesmo intimidados. Chicão, por exemplo, olhava os caras de cima para baixo, como se estivesse jogando em casa. Era um jogador que se entregava de corpo e alma em prol de objetivos comuns e que eram para o bem da equipe como um todo. Naquela noite, de forma cirúrgica, Coutinho o havia escalado.