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Especialmente tendo em vista todas as tentações que giram em torno da fama e da fortuna, a liderança de uma figura ícone, como a do personagem Yoda, do filme “Guerra nas estrelas”, se torna ainda mais necessária para orientar uma equipe a diferenciar o certo do errado.
Embora essa habilidade de ensinar ou aconselhar nada tenha a ver com o conhecimento tático e técnico do jogo, muitas vezes se torna ainda mais importante. Tais situações requerem um líder que gerencie as diferentes personalidades.
Phil Jackson, o renomado e vitorioso técnico do Los Angeles Lakers e do Chicago Bulls tinha essa habilidade. Ao mesmo tempo, conseguia administrar Kobe Bryant e Shaquille O’Neal e deixá-los satisfeitos. E no Chicago Bulls, ele administrava jogadores com personalidades difíceis, como Dennis Rodman, Scottie Pippen e Michael Jordan. Botar esse pessoal remando no mesmo rumo não é fácil.
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Clique aqui para seguirMais recentemente, a Seleção Argentina, atual campeã mundial, se mostrou discreta, mas motivada por um espírito de forte união, mantendo o foco na importante trajetória rumo à conquista da Copa.
Da mesma forma, Coutinho fez com o time do Flamengo nos últimos anos da década de 1970 e no primeiro ano da década de 1980.
Neste mundo moralmente relativista, o jogador não precisa apenas de um treinador, mas de um educador, de um professor e de um líder. Os treinadores mais bem-sucedidos são aqueles que não só detêm conhecimentos técnicos e táticos de jogo, mas demonstram também um perfeito entendimento do espírito dos jogadores. Assim, são capazes de tutelar e convencer esses jogadores, muitas vezes problemáticos e de difícil convívio, a lutarem por objetivos comuns e coletivos, acima das vaidades egocêntricas e necessidades pessoais.
Técnicos com a habilidade de transmitir aos seus atletas a ideia de que vale mais a pena lutar por glórias e objetivos mais duradouros, que transcendem os interesses egocêntricos, são muitas vezes os que tendem a ter maior êxito, quando comparados aos que focam apenas em aspectos técnicos e táticos do jogo.
Seria impossível entender a Filosofia e a Pedagogia de Claudio Coutinho sem nos aprofundarmos em sua formação militar. Grande parte das pessoas tendem a associar uma formação militar com costumes ou maneiras autoritárias e exageradamente disciplinares. No entanto, o tema é muito mais complexo do que essa conotação rasa.
Cláudio Coutinho estava longe de ser qualquer coisa parecida com um autoritário. Ao contrário, tinha muito caráter e uma personalidade firme; mas, ao mesmo tempo, era extremamente empático, ameno e aberto ao diálogo. Era firme, mas ponderado; era um pensador.
Antes da Copa, ele declarou à imprensa:
— Há vários tipos de treinadores: o engraçado, o durão, o boa-praça, o paternalista… há de tudo. O importante é saber usar a própria autoridade. E quanto menos usá-la, melhor. Autoridade se perde rapidamente”.
Em geral, os valores (ethos) civis de uma sociedade se contrastam de uma forma significante quando comparados com a cultura de guerreiros (samurais, apaches, legiões romanas, vikings, espartanos etc.).
A Cultura do Exército está muito mais próxima dos valores dessas culturas de guerreiros do que de uma sociedade civil. Os valores desses grupos divergem. No código dos guerreiros, por exemplo, uma agressão, mesmo aleatória, pode até mesmo ser valorizada e celebrada. No entanto, a mesma agressão, dentro de uma sociedade civil, levaria o agressor à cadeia.
Em contrapartida, em geral, códigos vinculados à sociedade civil são caracterizados pelo individualismo, a busca incessante do caminho próprio e a liberdade para o cidadão fazer o que bem entender, desde que não atinja a liberdade do próximo.
Afincados a esses valores, decorre na sociedade civil a busca da celebridade, da riqueza desgovernada e de um reconhecimento individual que, hoje em dia, beira o patológico. O egoísmo e o materialismo exacerbado caracterizam essa sociedade. Em contrapartida, as filosofias vinculadas aos códigos dos guerreiros dão maior importância e valorizam: coesão, obediência, honra e uma mentalidade muito mais altruísta. Ao mesmo tempo, valorizam o sacrifício em prol do grupo. É uma perspectiva filosófica imbuída pelo coletivismo, pela interdependência de todos dentro de um grupo.
Sob o mesmo ponto de vista, hoje em dia, os mais bem-sucedidos técnicos de futebol são aqueles que, muitas vezes, conseguem resgatar o máximo possível dessa dinâmica de grupo do passado, onde os interesses comuns, em prol da equipe, são os que imperam. É como o espírito do esporte amador, onde a glória é tudo.
É uma dose maior desses valores espartanos, vinculados a um “código de guerreiros”, que precisamos em nossas Seleções. Pode ser difícil fomentar essa dinâmica, pois a nossa sociedade está em níveis quase patológicos de egoísmo e egocentrismo. No entanto, não é impossível conseguir essa comunhão entre os que fazem parte de uma equipe. Afinal, existem exemplos de vários técnicos que exercem comando em equipes de diferentes modalidades desportivas que conseguiram passar alguns desses conceitos para os seus grupos.
Vale a pena mencionar que a Seleção Brasileira que ganhou a Copa de 1970 era um exemplo de engajamento intragrupal, em todos os aspectos. Existia harmonia social, tática e técnica entre os jogadores. Poderiam até existir algumas diferenças entre certos jogadores. No entanto, a grande maioria se dava muito bem e existia um afeto entre aqueles campeões.
Essa mesma conexão também se viu na Seleção de 1994. Por isso, por mais talento individual que se tenha num elenco, não existirá sucesso sem o mínimo de solidariedade e espírito coletivo entre os que compõem.
Muitos leigos, ultrapassados e retrógrados, acham que o espírito coletivo afeta negativamente ou ofusca o desempenho da estrela individual. Essa ideia é absurda. A Seleção de 1970 era inundada de estrelas (era uma galáxia!), mas todos em comunhão dentro do campo.
Julio Cesar confirmou que muitos jogadores da equipe do Flamengo que dominou a década de 1980 já vinham jogando juntos e se conheciam desde a época do mirim. Assim sendo, muitos não se dão conta da necessidade dessa conexão e sinergia, descartando ingenuamente a sua importância.
Na maioria das vezes, essa dinâmica, fortemente presente em equipes bem-sucedidas, não é quantificada e passa despercebida.
Amaral nos enfatizou:
— Aquela Seleção de 78 foi um grupo unido e saudável, tanto que mantemos o contato, uns com os outros, até hoje. Para a imprensa, havia um revanchismo entre Rio de Janeiro e São Paulo. Para a gente, dentro do grupo, isso não existia”.
O zagueiro central ainda foi mais longe nas suas críticas:
— A imprensa da época botava muita pressão em cima do grupo e do Coutinho para ele mudar os convocados. Também faziam intrigas. Em contrapartida, antes da excursão que fizemos à Europa, antes da Copa, Coutinho, para nos dar tranquilidade, disse para todos ficarem tranquilos e jogarem seu futebol porque, dali em diante, ele não iria cortar mais ninguém, a não ser por incapacidade física ou lesão. Essa atitude foi fundamental para nos dar a tranquilidade para jogarmos”.
Ainda mais: Coutinho também carregava o orgulho de ser Brasileiro e não tinha qualquer complexo de inferioridade, que perdura em muitos outros até hoje, mais de 40 anos depois da sua morte trágica. Ele falava de igual para igual com os jornalistas de qualquer lado, dava entrevista em diversos idiomas.
Ele, de fato, empoderava seus jogadores, com a sua retórica com os jornalistas e a imprensa em geral.
Na excursão que o Brasil fez à Europa antes da Copa do Mundo, depois do disputado e violento jogo contra a Inglaterra, em Wembley, uma das matérias da Manchete Esportiva afirmava que, antes, os europeus nos chamavam de frouxos. Coutinho comentou:
— Diziam, para quem quisesse ouvir, que para espantar um jogador brasileiro basta dar-lhe duro. Ele não gosta de jogar pesado. Nem do corpo a corpo. E, muito menos, de apanhar. Agora, eles nos chamam de animais.
E Coutinho conclui:
— Não mandei bater. Nem na Alemanha, nem na Inglaterra, dois jogos violentos. Mas a ordem era para ninguém fugir do pau. E, isso, esse time faz”.
E na mesma matéria em relação à Copa do Mundo, Coutinho disse:
— Vamos maneirar um pouco. Apenas de que eles já sabem que, se derem, levam. E em dobro. Mas não somos desleais e vamos mostrar que podemos ganhar a Copa sem violência.
Naquele jogo, em certas ocasiões, os ingleses bateram até mais que os brasileiros; no entanto, só eles podiam bater e jogar virilmente. A imprensa de lá só via a maldade de cá. E a cobertura da imprensa inglesa, depois daquela excursão do Brasil, foi tendenciosa e vergonhosa, sem qualquer autocrítica.
Na conhecida revista inglesa “World Soccer”, o jornalista Eric Batty afirmou:
— Zico é demasiadamente superestimado. Os centroavantes Reinaldo e Nunes não conseguem jogar contra defesas europeias. Os brasileiros não sabem jogar duro — apenas sujo. E os bons árbitros reduzirão seu time a oito ou nove homens, se eles continuarem jogando na Argentina como fizeram em Wembley”.
A verdade, é que, em toda a sua história futebolística, a Inglaterra nunca teve um Reinaldo e, muito menos, um Zico. E Nunes foi aquele que “arrebentou” com a defesa do Liverpool, em 1981, na final de Tóquio.
Esse preconceito e mentalidade ainda colonialistas, perduram até os dias de hoje. O recalque e a inveja do talento do futebol brasileiro, ainda persiste.
Há alguns anos, Sir Alex Ferguson, o lendário treinador do Manchester United por mais de 25 anos, deu uma declaração contra o jogador David Luiz que, na época, jogava pelo Chelsea e se envolveu em uma disputa com um dos jogadores do Manchester, que recebeu o cartão vermelho.
— O árbitro se deixou levar pelo fato de ele [David Luiz] estar rolando no chão e duvido que tomaria outra decisão se não tivesse visto aquilo. É algo que vemos nestes jogadores europeus, estrangeiros e sul-americanos” — frisou o então treinador do United.
De acordo com o que Ferguson disse, será que ele está dando a entender que os únicos que não fingem lesões são os jogadores britânicos?… Bem, talvez tais atletas simplesmente não tenham tantas oportunidades para dramatizar suas lesões no centro do maior palco do futebol mundial — a Premier League —, uma vez que eles são cada vez mais uma raridade entre os titulares das maiores equipes do mundo. E a cada ano que passa, eles parecem ter menos espaço em decorrência de serem substituídos pelo talento estrangeiro — precisamente, o mesmo talento cobiçado, em muitas ocasiões, pelo próprio Ferguson para fazer parte de seu plantel.
Se Fergusson viesse com essa ladainha pra cima do Coutinho iria tomar na hora uma lambada, iria tomar um “ippon”.
Em certa ocasião, antes da Copa, quando um jornalista inglês lhe perguntou se já considerava o Brasil suficientemente europeizado Coutinho respondeu no mesmo tom irônico da pergunta:
— “Estamos tão abrasileirados, quanto vocês sempre pretenderam ser.”
Quer dizer, a inteligência da resposta de Coutinho é, simplesmente, espetacular e arrasadora, um tiro certeiro na cara do jornalista bretão. Como um líder desses, arisco no raciocínio, não conseguiria empoderar seus comandados? Coutinho tocava o coração das pessoas.
Agora, faço uma pergunta ao leitor:
— Alguém acha que, se Claudio Coutinho estivesse à frente da Seleção Brasileira no 7 a 1 contra a Alemanha, no Mineirão, seus jogadores iriam permitir tamanha vergonha? E ainda na partida da disputa do terceiro lugar, tomaram mais três gols da Holanda?
Era um bando de jogadores sem brios, sem vergonha e sem sangue nas veias. Em dois jogos de uma Copa do Mundo, tomaram dez gols. A acachapante derrota para a Alemanha foi uma falha sistêmica e um episódio sem precedência entre seleções campeãs do Mundo. E seria ainda pior se os alemães não tirassem o pé do acelerador. Certamente, se tivéssemos um Chicão ou um Brito, em qualquer desses dois jogos, a parada seria outra; como dizem: o buraco seria mais embaixo.
A tremenda disposição demonstrada pelo Brasil na “Batalha de Rosário” não foi vista nem de perto, nem de longe nas apresentações dessa Seleção.
O pugilista norte americano Marvin Hagler permaneceu invicto por mais de dez anos. Ele mencionou que um dos fatores que o motivava durante tanto tempo era um certo temor que ele carregava consigo. Ele disse:
— Há um monstro que sai de dentro de mim quando estou no ringue. Acho que isso me faz lembrar dos tempos em que eu não tinha nada, quando passava fome. O monstro é esse, e ele me assusta”.
Obviamente, esse é um sentimento muito poderoso e instintivo que alguém pode usar para buscar motivação e se reinventar. Hagler tinha medo de voltar às origens difíceis, de passar fome novamente. E, por isso, lutava feito um leão, dava tudo no ringue.
Seria muito difícil encontrar um cara com tamanha disposição nos dias de hoje em nossas Seleções. Seguramente, nossos jogadores estão muito longe desse conceito que Hagler carregava consigo. Com os bolsos cheios e a vida resolvida, alguns se acham acima do bem e do mal.
Como pode um País, com tanto talento individual, em todos os setores do campo, não chegar nem nas semifinais nas últimas duas Copas. E seria ainda pior: ainda fazer o papelão que fez no 7 a 1, em pleno território nacional, na frente de sua população?
O “capitão” da equipe, antes da cobrança dos pênaltis, nas oitavas de final contra o Chile já estava chorando e pediu para ser o último batedor, em caso de necessidade, até mesmo atrás do pobre goleiro. Um absurdo exemplo da total falta de liderança.
Com um “líder” desses, o que poderíamos esperar daqueles que, supostamente, deveriam seguir o “líder”? E o que isso nos diz a respeito de quem escolheu esse elemento para ser capitão?
Fato: onde existe liderança, tal desgoverno nunca ocorreria.
Agora, imaginem: Dunga chorando antes de bater pênaltis? Do mesmo modo: Romário, craque e valente dentro do campo, tirando a responsabilidade de si na hora da cobrança e passando para os ombros de outro?
Lembro do Romário pegando a bola na decisão por pênaltis com apreensão, mas caminhando com fé, e como alguém que estava pronto para morrer de pé, se fosse o caso, na final de 1994 contra a Itália.
Também lembro do Zico, um dos maiores jogadores que o Mundo já viu, com toda a coragem e personalidade possível, pegando a bola para bater na disputa de pênaltis contra a França, mesmo após ter perdido um pênalti durante o jogo; ele entrara, momentos antes, frio em um jogo quente mas, na hora do pênalti, enquanto alguns fingiam que “não era com eles”, Zico não fugiu da raia. Maior bravura do que a demonstrada pelo Galo, um monstro sagrado, seria difícil de encontrar.
Jogadores dessas equipes, imbuídos de uma mentalidade aguerrida, contrastam com os de outras seleções que voltam para a casa antecipadamente, com suas tropas de maquiadores, cabeleireiros, aplicadores de botox e com água oxigenada para encher até uma piscina. Em suma, precisamos de um técnico que consiga tirar o melhor de nossos jogadores.
Nossa Seleção precisa da liderança de alguém que tenha uma filosofia e um sistema de valores mais espartanos e menos consumistas, menos materialistas e menos ocos. Alguém que, por menor que seja, consiga passar alguns desses ensinamentos e que eles sejam carregados para dentro e fora do campo, criando objetivos de irmandade, de espírito coletivo, de verdadeiros guerreiros.
Enfim, alguém que acenda a chama dentro do coração desses gigantes, com talento de sobra, mas administrados — dentro e fora dos gramados por pessoas muito limitadas.
Vejamos a equipe da Croácia que joga um futebol lindo e tem craques por todos os lados. Durante a Copa do Mundo demonstrou ser verdadeiramente detentora de muita personalidade e uma forte identidade. Sua coesão pode ter raízes na História de seu país, forjada a partir do conflito que se seguiu à desintegração geográfica da Iugoslávia na década de 1990. O craque, Luka Modrić, um dos jogadores mais talentosos e técnicos do mundo, além de ser um dos mais inteligentes em campo, falou sobre como o assassinato de seu avô por um grupo de chetniks moldou seu caráter. Outros jogadores enfrentaram, diretamente ou indiretamente, o trauma de tais eventos históricos.
Sem dúvida, seria um desafio encontrar uma experiência coletiva que pudesse servir para galvanizar e motivar um grupo de jogadores para realizar feitos extraordinários. “Tomates” — como dizem os portugueses — é o que não falta nessa gente. Gente imbuída de um espírito de valentia, garra, determinação e coragem a dar de sobra. Considerando que a equipe da última Copa é composta por jogadores significativamente diferentes daqueles que jogaram na final contra a França, durante a Copa do Mundo anterior, na Rússia, o crédito pelo sucesso deve ser dado à liderança do técnico principal.
Essa liderança acima descrita e a disposição demonstrada pela Seleção de Cláudio Coutinho não existiu para o Brasil nas últimas três Copas. O conhecimento multifacetado que Coutinho detinha se faz ainda mais necessário.
Além do saber em diversas áreas, Coutinho tinha um engajamento social e uma filosofia de vida que serviriam como um verdadeiro antídoto contra o veneno, a barbárie, contra o mangue das banalidades que afoga cada vez mais pobres almas em nossa sociedade e que aflige muitos dos que jogam em nossas Seleções. Ele estaria dentro do bote entregando salva-vidas.
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Chega a ser incrível o rápido desenvolvimento e sucesso do gaúcho Claudio Pêcego de Moraes Coutinho na carreira de treinador de futebol. Quando ele assumiu a Seleção, só tinha alguns anos de experiência como treinador principal e, em curto tempo, fez o que fez não só com a Seleção, mas com o Flamengo também. Depois dos dois empates durante a Copa contra a Suécia e a Espanha, a Seleção ganhou da Polônia e do Peru, de forma convincente.
Na partida de Rosário contra a Argentina, o Brasil esteve nitidamente melhor em campo e só não ganhou a partida pela proeza técnica mostrada pelo goleiro Ubaldo Fillol, que fez defesas milagrosas.
Regularmente, diferenças milimétricas ou detalhes inquantificáveis dentro de um jogo determinam o curso ou resultado de uma partida. Muitas vezes, uma bola na trave ou uma defesa milagrosa no final da partida, são a diferença entre a vitória ou a derrota. A sorte faz parte de qualquer jogo e é difícil encontrar um campeão sem sorte.
Também vale a pena dizer que o cerco estava montado para facilitar o caminho do país anfitrião. Sabe-se lá o que poderia ter acontecido se o Brasil passasse à frente do marcador, na partida de Rosário? Talvez fosse mesmo impossível ao Brasil sair com a vitória naquele jogo. Possivelmente, não teria sido permitido, pois algum artifício de última hora seria administrado.
No entanto, o técnico brasileiro deixou o Brasil invicto na Copa de 1978 e só não foi à final em decorrência de artifícios altamente duvidosos que eliminaram o Brasil por saldo de gols. A volta para casa, sem a Copa, serviu de munição para os detratores desse grande técnico.
Ainda mais que existe até hoje certo preconceito contra técnicos que nunca jogaram futebol profissionalmente. Seguramente, muitos ex-jogadores veem com maus olhos aqueles que almejam ser técnicos de futebol sem a experiência de jogador profissional. Talvez acreditem que essas posições de destaque devem ser reservadas somente a ex-jogadores.
Cláudio Coutinho, com todo o conhecimento que detinha naquela época, estaria, hoje em dia, à frente até mesmo de qualquer técnico brasileiro. Sua trajetória e o que ele representou para o futebol brasileiro ainda precisa ser elucidado com maior profundidade.
Ele era um homem com convicção blindada, mas flexível no raciocínio. E não somente em relação ao gerenciamento humano, mas também na utilização do elenco, em sua totalidade, da maneira mais eficiente, pois utilizava escalações diversas, de acordo com as necessidades dos jogos.
Rodrigo de Paul, jogador argentino, é um dos exemplos de determinação e garra da seleção albiceleste: um meio-campista duro e rústico, que chega nas divididas com vigor, incorporando o espírito guerreiro que personifica uma Seleção. Após a vitória na final, ele escreveu em uma de suas redes sociais:
— Não busquem dinheiro; busquem glória! Sejam campeões do mundo e todo o povo se lembrará de vocês e irão vos agradecer pelo resto da vida”.
De forma parecida, o Capitão Claudio Coutinho disse à revista Placar, em 1978:
— A melhor maneira de se motivar um grupo é chamá-lo para a concretização de um grande objetivo. E a Copa é esse objetivo. Qualquer obstáculo é superado; o frio, o cansaço, tudo é vencido. A meta vale qualquer sacrifício.
Isso já diz tudo: a conquista de um título é a maior realização pessoal para um jogador de futebol e vale mais do que qualquer bem material. Certamente, vale muito mais do que um pedaço de carne folheada a ouro, consumida por pobres almas, sem rumo e sem comando, que deveriam ter mais sede de vitória — a glória maior do esporte.
Precisamos de braços mais fortes e mãos mais amigas e unidas. Precisamos de alguém que — como disse Rex Ryan, com muita sabedoria —, “consiga unir estrelas solitárias em uma galáxia”.
O “cometa” Claudio Coutinho passou com uma velocidade jamais vista pelos céus do Brasil. Enquanto esteve presente, deu tudo pelo Brasil, acreditava na soberania da Nação, amava a Pátria, deu a cara às balas nas entrevistas, tutelou e botou os prepotentes ingleses em seus devidos lugares, tanto dentro e fora do campo, com fogo e com a cabeça em Wembley. Na Argentina, deixou tudo nos campos de batalha, Foi invejado por deter um conhecimento que ninguém tinha e, muitas vezes, foi desmerecido e injustiçado.
No entanto, para as centenas de pessoas que estiveram sob sua tutela, ele as sensibilizou, deu luz e esperança onde a escuridão reinava. E formou uma galáxia. Tocava no coração e dava atenção às pessoas, independentemente de qualquer bem material que elas pudessem ou não possuir. Ou do que pudesse receber em troca.
Coutinho foi e continua eternamente amado pela Nação Rubro-Negra que, de suas mãos, viu nascer uma das equipes mais entrosadas e sensacionais que o Mundo do futebol já viu.
Ex unitate vires! [A força da unidade!] — Inesquecível!
Imaginem se a trágica e precoce morte desse gigante sagrado do futebol brasileiro não tivesse ocorrido. Ele estava em plena ascensão e longe do auge, pois era muito jovem quando faleceu. Acredito piamente que, se tivesse mais tempo no comando da Seleção, teria ganho uma Copa do Mundo.
Em uma das conversas que tive com Julio Cesar “Uri Geller”, um driblador nato, disse a ele que considerava Claudio Coutinho quase era um psicólogo.
Num dos artifícios mais marcantes com o intuito de motivar um grupo de atletas que já escutei, o driblador me disse:
— Antes da final no Maracanã, em 1980, contra o Atlético Mineiro, antes da ida ao estádio, ainda na concentração, o homem botou uma caixa de sapatos na nossa frente e disse: “A minha preleção pra vocês, hoje, está dentro dessa caixa, a minha preleção pra vocês, hoje, está dentro dessa caixa”.
— Quando abrimos a caixa, havia um sapato de salto alto. Quer dizer: o homem era genial, ele era um líder com o coração. Estava nos alertando contra o excesso de confiança e para entrarmos em campo com os pés no chão.
Quando disse de novo que Coutinho era um psicólogo, na mesma hora e de imediato, ele me disse:
— Velho, velho… ele era muito mais do que um psicólogo. Ele era muito mais do que um psicoólogo. Ele era diferente. O conhecimento dele era absurdo, velho. O homem tinha muito mais conhecimento do que um psicólogo; ele era um psiquiatra. Velho, ele era um psiquiatra.
Capitão Claudio Coutinho: ame-o ou deixe-o!
Texto na Revista Sociedade Militar
Ricardo Guerra é Fisiologista do Exercício e tem Mestrado em Fisiologia Esportiva, pela Liverpool John Moores University. Trabalhou com vários clubes de futebol no Oriente Médio e Europa, incluindo as seleções do Egito e do Catar. Em 2015, foi Fisiologista do Exercício do Olympique de Marseille, época em que o time chegou à final da Copa da França contra o PSG.
Ricardo detém a mais importante licença de treinador da FA — Associação de Futebol da Inglaterra e também da UEFA — União das Associações Europeias de Futebol.
Viajou pelo Mundo, coletando dados e quantificando a capacidade fisiológica de jogadores de vários países. Seus artigos foram publicados em mais de cinco idiomas em várias organizações de notícias. Atualmente, Ricardo está radicado nos Estados Unidos, é candidato a PhD em Fisiologia do Exercício, está escrevendo um livro sobre o futebol brasileiro e pode ser contactado pelo e-mail [email protected]