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Em uma sociedade que frequentemente glorifica o indivíduo, gerando por vezes obsessões patológicas em torno de várias celebridades e artistas, em que as pessoas somente visam os benefícios próprios, não existe tarefa mais árdua do que convencer jogadores milionários, com egos super inflados, a subjugar seus ganhos individuais em prol do interesse da equipe. Se acrescentarmos a essa problemática realidade o extremo individualismo e todas as banalidades e vulgaridades que cercam esses indivíduos, o gerenciamento humano eficaz dessas equipes de futebol pode se tornar uma tarefa gigantesca.
A necessidade de administrar as vontades múltiplas e dispersas dessas personalidades, que na maioria das vezes não são coesas em torno de objetivos comuns, se torna um desafio monumental para os técnicos. Curiosamente, essa habilidade de liderança que Coutinho possuía seria ainda mais de grande valia nos dias atuais.
Sob o mesmo ponto de vista, essa necessidade não só aflige o futebol. O exemplo hoje em dia do Dallas Cowboys, uma equipe renomada dentro do futebol americano, se torna bem ilustrativo para o problema a que chamamos atenção. Essa equipe tem na verdade jogadores considerados de ponta em quase todos os setores. No entanto, são verdadeiras estrelas sem qualquer tipo de conexão entre si. Nas últimas três temporadas, apesar de ter um time cheio de estrelas, não conseguiram ganhar sequer um jogo durante os playoffs. Em suma, não possuem liderança nem dentro, nem fora das quatros linhas.
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Clique aqui para seguirSob o mesmo ponto de vista, o renomado técnico de futebol americano Rex Ryan enfatizou o problema numa entrevista: “A prioridade tem que ser a equipe, não o indivíduo, deixe de ir atrás das estrelas e procure jogadores que joguem em prol do conjunto, da equipe. O Cowboys tinha 14 jogadores de extremo talento, que são de nível de Seleção (pro-bowlers). A estrela no capacete do Dallas Cowboys é perfeita para descrever o problema. São estrelas solitárias e eles precisam de alguém que vá unir essas estrelas em torno de um objetivo comum e que possa formar, nutrir uma galáxia”.
De forma semelhante, a Seleção Brasileira nas últimas três Copas é um exemplo nítido de falta de liderança e coesão interna ao redor de objetivos de maior valia. Precisamos de um líder que passe para essa garotada objetivos em prol do conjunto, de força maior, objetivos que transcendam o ego, que sejam duradouros e de valia imensurável.
Curiosamente, outro dia um garoto de oito anos me perguntou por que jogador fulano de tal tem tantos riscos nas sobrancelhas? O foco, dentro e fora do núcleo de uma equipe, não pode girar em torno do superficial. Sob o mesmo ponto de vista, as maquiagens, o botox, os preenchimentos e as sobrancelhas feitas aos cuidados de profissionais e demais banalidades descritas acima necessitam receber menos atenção por muitos jogadores. Se banalidades e vedetismos tomam a maior parte do tempo dos “narcisos” de uma equipe, ofuscando o foco na preparação para uma partida, elas devem ser extirpadas.
Precisamos de jogadores que sejam craques, mas tenham também uma mentalidade muito mais aguerrida, comparável aos jogadores de hóquei sobre o gelo. Nesse esporte, não tem frescura. Lá, há craques sem dentes, com narizes tortos e sangue escorrendo no rosto. São indivíduos com menor grau de egocentrismo, estão preparados para dar tudo em prol da equipe. Em contrapartida, hoje em dia, chega a ser bizarro esse comportamento de verdadeiras divas por uma parcela dos jogadores de futebol.
Vale dizer que não é impossível o indivíduo se apresentar como uma “árvore de Natal”, cheio de enfeites e, ao mesmo tempo, “comer a grama” em prol da equipe. Existem muitos exemplos de atletas que foram bem-sucedidos em seus esportes. E eles existem também no futebol.
No basquete, Dennis Rodman, por exemplo, que foi considerado um dos maiores reboteiros da história do basquete, jogava muitas vezes com o cabelo pintado de rosa. Contudo, na hora do “vamos ver”, ele não pipocava. O estrelismo não afetava o jogo dele. Ele tinha gente de grande porte a seu lado, com personalidade, e que o enquadravam quando ele passava dos limites no seu comportamento egocêntrico. Naquela equipe do Chicago Bulls, ninguém falava mais alto do que Michael Jordan.
Paralelamente, o conhecimento do técnico Phil Jackson na área da Psicologia e Gerenciamento Humano era simplesmente épico e bem conhecido. Certa ocasião, quando era técnico do Lakers, Jackson chegou a utilizar os serviços de um Terapeuta, com especialização em comportamento de pessoas narcisistas. Ele precisava de uma assessoria para lidar melhor com o relacionamento entre Kobe Bryant e Shaquille O’Neal.
Quando a maioria dentro de um núcleo se apresenta de forma displicente e despreparada, e não joga nada, com certeza é preciso averiguar o que se passa. De fato, o 7 a 1 contra a Alemanha, a maior vergonha da história do futebol brasileiro, ainda está muito mal explicada e as causas dessa derrota ainda precisam ser investigadas. Um livro poderia ser escrito analisando todas as causas de tamanho vexame. O fato de não termos nem chegado às semifinais nas últimas duas Copas com tanto talento é outra aberração e as causas desse fracasso também precisam ser avaliadas. Da mesma forma, o fato de não nos classificarmos para as próximas Olimpíadas demonstra nosso grau de mediocridade em termos de liderança.
Todavia, se após convocado, o futebolista já entra ali com uma mentalidade de desleixo, fazendo pouco caso da competição e pensando nas férias, aí não há talento que resolva a situação. Ainda mais: muitos navegam no espírito de total comodidade e complacência, pois já fizeram fortuna e obtiveram os prêmios que consideram suficientes.
O renomado pugilista norte-americano Marvin Hagler disse em certa ocasião: “É muito difícil levantar de manhã cedo para correr quando dormimos em pijamas de seda”.
Também, o que mais tem hoje em dia, por diversas razões e pressões, são jogadores sendo convocados sem considerar o estado de espírito ou a vontade de estarem presentes naquela ocasião. Na minha opinião, esse foi um problema nas últimas três Copas.
E justamente aqui entra novamente a sabedoria do Capitão Claudio Coutinho. Antes da escolha final dos convocados para a Copa do Mundo, Coutinho fez um estudo minucioso sobre dezenas de características de jogadores que ele estava observando. O grande jornalista Ney Bianchi, numa matéria antes da Copa na Revista Manchete Esportiva, deixou claro: “E ele dispunha de informações confidenciais que incluíam desde os modismos técnicos (maneira de jogar, comportamento num jogo cordial e num jogo catimbado, na chuva e no sol, no calor e no frio, dentro e fora do país) até os hábitos sociais (quem bebia, o que bebia, quando bebia, quem fumava, quando fumava, quem dormia cedo, quem dormia tarde, quem tinha problemas familiares, que tipo de problemas e daí por diante).
Ele era um homem muito bem-informado. E sabia exatamente o que queria, quando chegou o grupo que estava em viagem. Nesse sentido, nunca houve outro treinador tão bem-informado. E que buscasse, conscientemente, todo o knowhow possível sobre os seus atletas”.
Parece impensável que hoje em dia o técnico da Seleção venha a descartar um jogador por fragilidade mental, especialmente quando tal jogador é representado por um megaempresário ou se por trás dele imperam outros interesses financeiros. Na última Copa, fora das quatro linhas, se viu até elementos devorando carne folheada a ouro em uma churrascaria local do Qatar, numa atitude completamente estúpida e sem sentido. Ao mesmo tempo, esse ato tem um significado muito maior, simbolizando a total falta de liderança e de ensinamentos de quem comanda.
Tal atitude é uma demonstração da falta de sabedoria, de discernimento e de bom senso desses elementos. Afinal, trata-se de uma indicação das prioridades de quem foi àquele restaurante. Bem como uma indicação de quem está no comando e deixando de passar ensinamentos a esses jogadores. Afinal, será que se estivesse na moda ou demonstrasse maior status comer uma fatia de carne coberta de elementos parasitários, esses sujeitos a comeriam? Essa pergunta me parece pertinente diante de tamanha imbecilidade.
Muitos parecem mesmo crianças mimadas e mal-instruídas que precisam desesperadamente de serem resgatadas e reeducadas. Na verdade, precisam de um professor com sabedoria, alguém que possam admirar e lhes dar o exemplo, mostrando-lhes como priorizar o que é digno. Assim sendo, não precisam de puxa-sacos sem liderança nenhuma e que deixam rolar de tudo, dando total liberdade aos jogadores, permitindo-lhes que mandem no recinto. Infelizmente, esses jogadores são liderados por indivíduos com pouco conhecimento em outras disciplinas que possam servir de auxílio no ensinamento, no cultivo de um espírito de maior coesão e do estabelecimento de prioridades mais dignas. Eles precisam de um sujeito para mostrar o caminho e ensinar boas maneiras. Afinal, temos jogadores seriamente envolvidos em casos graves com a Justiça.
Curiosamente, muitos técnicos estão muitas vezes mais preocupados em manter o controle de seus cargos e seus bens do que com qualquer outra coisa, preferindo por isso apaziguar e agradar aos rebeldes em vez de dirigirem a equipe como um todo. Ou seja, não estão ali para se sacrificarem e se colocarem em uma posição mais arriscada de confronto, onde estariam dispostos a botar em seus lugares aqueles jogadores que criam problemas internos. Muitas vezes, tal confronto é necessário e poderia acarretar dividendos para quem visa consolidar uma coesão interna dentro da equipe em prol do grupo. Com técnicos dessa estirpe bancando ser “professores”, seria preferível que os alunos não fossem à escola.
Em contrapartida, a coesão da seleção argentina na última Copa foi consequência de uma forte liderança que soube administrar personalidades diversas em prol da importante trajetória rumo à consumação e à glorificação. Grande parte do mérito dessa vitória é não apenas dos jogadores, mas também do próprio Lionel Scaloni, o técnico da equipe argentina que ajudou a incutir um nível elevado de união, coletividade e de amizade entre seus jogadores. Isso se deve a toda a sua capacidade de gerenciamento humano e de como tirar partido do que há de melhor em seus atletas. E era exatamente essa habilidade que Claudio Coutinho possuía.
O próprio Coutinho era um homem digno, altruísta, demonstrando moderação e modéstia em sua conduta: todo reconhecimento que vinha em sua própria direção, ele direcionava aos seus jogadores. Acima de tudo, ele era empático e carregava tal qualidade nas mangas. Ele tinha uma sensibilidade única para sentir o estado de espírito de seus jogadores. De fato, ele se preocupava com todos.
Numa das várias conversas que tive com Julio Cesar “Uri Geller”, um dos maiores dribladores que o futebol brasileiro já viu, ele me disse: “Se preocupar com os 11 dentro do campo que estão sorrindo e dar atenção a eles é fácil. O capitão se preocupava com quem estava no banco, com quem tava de fora. Quem não jogava na quarta, treinava na quinta. E era nesse dia que ele botava todo o conhecimento dele de dentro da psicologia em prática. Ele era único, e se preocupava com todos”.
De fato, Coutinho dava a mesma atenção para reservas e titulares. Todos se sentiam acolhidos e como parte de um grupo.
Numa conversa inédita com Savva Biller, um estudioso da posição e um dos goleiros que fazia parte do Los Angeles Aztecs, no ano que Coutinho trabalhou com aquela equipe norte-americana, ele me disse: “Eu era um jovem goleiro que era reserva na época que ele chegou no Aztecs. Ele falava comigo como se eu fosse a pessoa mais importante da equipe. Quando ele falava comigo ele me fazia sentir como se eu fosse o titular da posição. Eu sempre o via, diariamente, conversando individualmente com vários jogadores”.
Muitos jogadores de futebol são extremamente intuitivos e sagazes, farejando de longe a índole do técnico. Os treinadores carismáticos, com capacidade de liderança e de caráter forte, são os que têm a maior probabilidade de serem admirados e de terem o exemplo seguido pelo seu time. Diante de uma figura com tamanha liderança e senso de justiça, os atletas estão dispostos a dar a dar tudo pelo seu técnico.
Quando um jogador percebe que o técnico se importa com ele como pessoa, mais até do que ele tem a oferecer como atleta, em tais circunstâncias, esse indivíduo passa a ser disposto a dar a cara às balas pelo seu líder.
Julio Cesar me disse de forma clara:
— Coutinho não me convocou para alguns amistosos. Ele sabia que eu estava abalado. Do nada, num certo dia, ele chegou à minha favela, na Cidade Alta, foi lá no meu barraco, sentou-se à minha mesa, para tomar comigo e minha mãe uma “sopa de entulho”. Você tá entendendo? Ele foi lá me pedir desculpas por não ter me convocado, tomou a sopa de entulho e foi embora. Como é que você não vai correr em campo para um homem desses?”.
O zagueiro central Amaral, por telefone, foi enfático:
“— A personalidade dele era marcante. Ele respondia ao que tinha que responder. Respeitava todo mundo. Gostava que você o chamasse de Coutinho. Não tinha essa de ter de ficar chamando de “professor”. Era um cara aberto. O que ele mais gostava era quando a gente levava ideias para ele. Gostava da participação de todos e de trocar ideias”.
Relatos como esses deixam claro o lado empático desse homem. Coutinho era muito humano e se preocupava, acima de tudo, com o bem-estar dos jogadores. O sentimento e a vontade de ajudar o próximo, e de se colocar à disposição de todos é uma atitude cada vez mais escassa nos dias de hoje. Afinal, não é qualquer técnico que se dispõe a conhecer o lado mais íntimo e as aflições mais profundas dos seus jogadores. Isso requer tempo e uma sincera curiosidade, por parte do líder, para de fato conhecer os seus comandados na intimidade.
A habilidade didática de Cláudio Coutinho para explicar conceitos táticos também era extraordinária. Numa conversa longa por telefone, Klaas de Boer, que foi seu assistente técnico durante sua passagem no Los Angeles Aztecs, na temporada de 1981, me disse:
— Os métodos de comunicação dele eram extraordinários. Ele se comunicava muito bem com os jogadores e conseguia rapidamente passar, de forma eficiente, o posicionamento tático. Ele passava uma positividade que, de fato, era contagiante. Era um homem extremamente culto e agradável; um homem da Renascença”.
Embora essa habilidade de ensinar ou aconselhar, nada tenha a ver com o conhecimento tático e técnico do jogo, muitas vezes ela se torna ainda mais importante, principalmente nos dias de hoje. E é justamente nesse aspecto que a estrela e a liderança do cultíssimo, sábio e saudoso Claudio Coutinho está atualmente em falta. Nesse sentido, ele estava muito à frente dos outros profissionais da área. O Capitão deixara a sua marca, passando conceitos de grande valia para os jogadores da sua equipe, tais como um espírito forte e abnegado, e uma sólida coesão interna.
A nadadora olímpica e ex-presidente do Flamengo, Patrícia Amorim, afirmou sobre Coutinho, numa entrevista:
— Nossas grandes equipes sempre foram capitaneadas por grandes líderes e ele oi uma dessas figuras.
Coutinho administrava uma equipe de futebol como ninguém. A equipe do Flamengo, tricampeã carioca em dois na os (1978–79), era uma verdadeira Seleção, um timaço com jogadores reservas que poderiam atuar em qualquer time de ponta, até mesmo na Seleção Brasileira. Naquela época, mesmo alguns reservas poderiam fazer parte de outras seleções, até mesmo como titulares.
Na década de 1980, só os jogadores que atuavam no Rio de Janeiro, seriam suficientes bastava para mandar três ou quatro times que poderiam jogar uma Copa do Mundo, de igual pra igual, fazendo par com as melhores equipes.
Uri Geller me disse:
—Na mesma posição, Coutinho contava com Andrade e Vitor. Às vezes, jogava o Andrade; e o Vitor era convocado para jogar na Seleção Brasileira, no final de semana. Ele contava com um jogador reserva que era convocado para na Seleção do Brasil”.
Sua capacidade e experiência de gestão humana, para deixar todos felizes e satisfeitos, ficava ainda mais nítida em situações em que era preciso gerenciar craques por todos os lados. Não é qualquer um que tem a capacidade de apaziguar diversos egos e vaidades, em torno de objetivos comuns.
Se fosse fácil, o supertime do Paris Saint-Germain, dos últimos anos, já teria conquistado a Champions League, pois ali não faltam craques. Não adianta botar 11 estrelas dentro de campo e achar que eles vão resolver, sem liderança ou sem um educador. Tem que haver sinergia e comunhão entre os que jogam. O mesmo se observa com a “geração de ouro” da Bélgica, que disputou a mais recente Copa do Mundo. Aquela Seleção, apesar de sempre bem-cotada, jamais ganhou um título. Portanto, não basta ter craques, sem um mentor com capacidade de motivar e cultivar esse vínculo entre os que jogam.
Os jogadores atuais, mais do que nunca, precisam de um técnico com sabedoria, alguém que possam admirar e lhes dar o exemplo, mostrando como priorizar o que é digno.
Coutinho era um educador. Numa entrevista, o jogador Adílio, um dos maiores craques que já pisou nos gramados brasileiros, foi enfático na sua opinião sobre ele:
“Coutinho era um educador muito forte em noção de vida e comportamento. A minha felicidade foi tê-lo encontrado, porque eu era orfão de pai e mãe, e fui muito aconselhado por ele, que me mostrou o caminho. E eu só segui”.