A Lei Complementar nº 97/99 define que “sem comprometimento de sua destinação constitucional, cabe também às Forças Armadas o cumprimento das atribuições subsidiárias” descritas na Lei.
O adjetivo “subsidiárias” significa “aquilo que subsidia, que auxilia“. Conforme a LC 97/99, é competência acessória das Forças Armadas “cooperar com o desenvolvimento nacional e a defesa civil“.
Dito isso, não é de assombrar ninguém que aqui e ali haja militares das Forças Armadas em ações aparentemente estranhas à sua finalidade última, que é o combate armado.
Vemos Marinha, Exército e Aeronáutica atuarem diretamente junto a diversos segmentos da sociedade, participando da vida da população no apoio a eventos comunitários, ações cívico-sociais, campanhas de saúde pública e no socorro a vítimas de desastres naturais.
Por meio de unidades militares espalhadas por todo o território nacional – diga-se de passagem, uma capilaridade de fazer inveja a qualquer partido político – as Forças Armadas atuam no suporte logístico-operacional em casos de calamidade, reduzindo o prazo de resposta das autoridades frente às contingências.
Além disso, prestam serviços relativos à fiscalização de produtos controlados, salvaguarda da vida humana, segurança da navegação, controle do espaço aéreo e atividades de busca e salvamento.
GLO, DENGUE E CARRO-PIPA
Não é mais objeto de hipóteses excêntricas, mas fato consumado, que as operações de GLO (Garantia da Lei e da Ordem) ocorridas até – e principalmente a de – 2018 serviram de plataforma publicitária para a maioria dos candidatos militares que almejavam cargos políticos.
Nunca antes na história da república, tantos nomes e caras até então desconhecidos, sem nenhuma atividade prévia relacionada com a política, saíram das sombras da caserna para os holofotes do poder.
Uma pergunta pertinente é: teria sido diferente, se a mais mirabolante “ação subsidiária”, a operação de GLO, não tivesse ocorrido naquele 2018?
Quem entra no site do Exército Brasileiro pode até achar que se enganou de instituição e que está lendo algum informe político eleitoreiro ou propaganda de alguma empresa estatal.
Em matéria da Revista Sociedade Militar, vimos que um dos “combates” do Exército Brasileiro neste ano foi uma ação de apoio à proliferação e controle do mosquito causador da dengue em diversas partes do Brasil.
A propaganda feita mais recentemente no site do Exército, igualmente na campo de apoio à Defesa Civil, é a Operação Carro-Pipa.
Nessa operação, o Exército atua como órgão de execução para planejamento e operacionalização das ações de apoio ao transporte e distribuição de água potável a populações atingidas pela seca e estiagem, no Semiárido Brasileiro.
Como um relatório de atividades, seguem os números – nada modestos – de 2023:
- mais de 16,4 milhões de pessoas receberam água potável
- quase 8,5 bilhões de litros de água transportada
- 4,4 mil cidades atendidas
Dados mais atuais da operação:
- 34 mil cisternas coletivas
- atendendo 1,5 milhões de pessoas
- 466 municípios
- emprego a milhares de pipeiros
UMA TEORIA POLÍTICA
Essa malha de atendimento (sem dúvida nenhuma, louvável, mas vergonhosamente necessária) cobre nada menos do que 8 dos 9 estados da região Nordeste. Apenas o Maranhão, governado pelo PSB, não foi contemplado pela ação do Exército.
Acontece que o Exército não está sozinho nessa escalada pelo Nordeste. Em outro artigo publicado na Revista Sociedade Militar, vimos que a Aeronáutica também vai fincar sua bandeira estrelada nas terras do sertão.
Trata-se da construção de um campus do Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA) em Fortaleza, no Ceará, cidade indicada como viável para a implantação do novo Instituto.
O ITA é uma instituição da Força Aérea Brasileira (FAB) referência em cursos de graduação e pós-graduação em áreas da engenharia, com destaque para o setor aeroespacial. A capital cearense foi escolhida para ser a sede do novo ITA porque, tradicionalmente 40% das vagas oferecidas pela instituição são ocupadas por estudantes do Estado.
Além do ITA, a FAB formalizou com outras entidades, no início deste ano (como relatado neste artigo publicado na Revista Sociedade Militar), a criação do Parque Tecnológico Aeroespacial da Bahia, a fim de promover o desenvolvimento nacional da indústria aeroespacial.
O Parque Tecnológico Aeroespacial da Bahia terá cerca de 800 mil metros quadrados e mais de 100 mil metros quadrados de construções. O local contará com diversos prédios de engenharia, além de pista para pouso e decolagem de aviões.
A construção da nova ESE em Pernambuco (Escola de Sargentos do Exército) a ser supervisionada pelo Exército Brasileiro é outro relevante aporte de recursos e benefícios para a população do Nordeste do país, e que envolve diretamente as Forças Armadas.
Se somarmos essa “invasão” militar ao nordeste brasileiro – a única região em que Lula venceu Bolsonaro (69,34% contra 30,66%) – aos números da última eleição presidencial poderíamos até formular uma teoria política de que existe um partido militar à procura de votos.