
Pode-se perguntar: de onde vem a obediência à rígida disciplina militar? Há mais de um fator, e a resposta pode variar caso a caso. Porém, o núcleo da disciplina militar vem da rígida legislação punitiva.
Todas as três Forças Armadas brasileiras, Marinha, Exército e Aeronáutica, seguem basicamente a mesma legislação. Em se tratando de normas internas, há certa discrepância devido às particularidades inerentes a cada uma delas, mas essencialmente o eixo é o mesmo.
Há alguma divergência entre as nomenclaturas, mas principalmente no campo disciplinar, os regulamentos são basicamente idênticos para as três Forças.
Sendo assim, é possível estender, sem risco substancial de se cometer alguma falta ou excesso, a normatividade disciplinar do RDAer (Regulamento Disciplinar da Aeronáutica) para Exército e Marinha. A disciplina é una, varia apenas a cor da farda.
BENEFÍCIO PARA O PUNIDO
O RDAer foi aprovado pelo Decreto nº 76.322, de 22 de setembro de 1975, sendo Presidente da República, o general Ernesto Geisel.
O RDAer tem quase cinquenta anos, e teve uma única alteração em 6 de maio de 1988. Isso significa que aquilo que as Forças Armadas, e particularmente a Aeronáutica, não querem que o militar seja ou faça está disperso por esses 73 artigos.
Segundo o Estatuto dos militares, a disciplina é a rigorosa observância e o acatamento integral das leis, regulamentos, normas e disposições que fundamentam o organismo militar e coordenam seu funcionamento regular e harmônico, traduzindo-se pelo perfeito cumprimento do dever por parte de todos e de cada um dos componentes desse organismo.
Conforme o Regulamento, a punição só é necessária quando dela advém benefício para o punido, pela sua reeducação, ou para o fortalecimento da disciplina e da justiça.
Obviamente a leitura ortodoxa de qualquer legislação, de regulamento nem se fala, é algo difícil e tedioso. Por isso, vamos nos ater a pontos específicos do regulamento, seja pela peculiaridade, seja pela excentricidade.
SOCIEDADE MILITAR
Todo ofício tem seus espinhos. Porém, a vida militar costuma ter mais espinhos do que os outros. Não há punições financeiras, como suspensão ou afastamento sem percepção de salário, por exemplo.
Nada é tão peculiar como o quotidiano da caserna, pois ele emula uma sociedade fechada.
O militar, quando comete alguma transgressão ou crime, pode ter sua liberdade cerceada.
Há quatro tipos de punições, sendo três delas limitações ao direito constitucional de ir e vir. Essas últimas são a detenção, a prisão e a exclusão/licenciamento a bem da disciplina.
Apenas a repreensão não importa a contenção física do militar. Ela é como uma admoestação, um puxão de orelha, que pode ser verbal ou por escrito.
A detenção e a prisão são gramaticalmente autoelucidativas, sendo que a primeira difere da segunda pela gravidade da infração cometida e pelo local de recolhimento do infratror.
Todos os militares detidos ficam proibidos de sair de determinado recinto, que, no caso dos oficiais, é a residência própria ou recinto do quartel; já para sargentos e soldados o local é exclusivamente um recinto do quartel.
No caso da prisão, há um agravamento. Segundo o regulamento a reclusão do transgressor deve ser em “local apropriado e (…) a juízo do comandante“. Somente cabos e soldados ficam reclusos no xadrez. Isso mesmo, esses militares ficam enjaulados.
Oficiais e sargentos, quando presos, na prática têm o mesmo “tratamento” dado a um detido.
DOSIMETRIA
Também, de acordo com o Regulamento, a punição é proporcional à gravidade da falta, observados os seguintes limites mínimos e máximos:
- para transgressões leves: repreensão em particular e detenção até 10 dias;
- para transgressões médias: repreensão em público por escrito e prisão até 10 dias;
- para transgressões graves: 1 (um) a 30 (trinta) dias de prisão.
As transgressões disciplinares serão julgadas pela autoridade competente com isenção de ânimo, com justiça, sem condescendência nem rigor excessivo.
AÇÕES INESPECÍFICAS
Essencialmente o RDAer se resume ao artigo 10º. O dispositivo contém nada menos do que 100 itens, uma centena de atos e comportamentos que, segundo o padrão da sociedade militar, são considerados transgressões.
Além disso, o artigo 10º é fechado com um parágrafo único, que ao mesmo tempo que encerra, elastece draconianamente ao inimaginável o entendimento militar do que vem a ser uma transgressão:
“São consideradas também transgressões disciplinares as ações ou omissões não especificadas no presente artigo [10º] e não qualificadas como crime nas leis penais militares, contra os Símbolos Nacionais; contra a honra e o pundonor individual militar; contra o decoro da classe; contra os preceitos sociais e as normas da moral; contra os princípios de subordinação, regras e ordens de serviço, estabelecidos nas leis ou regulamentos, ou prescritos por autoridade competente.”
Algumas das transgressões comináveis no regulamento disciplinar das Forças Armadas:
- aproveitar-se de missões de vôo para realizar vôos de caráter não militar ou pessoal;
- deixar por negligência, de cumprir ordem recebida:
- deixar de comunicar ao superior a execução de ordem dele recebida:
- declarar-se doente ou simular doença para se esquivar de qualquer serviço ou instrução;
- dirigir-se ou referir-se a superior de modo desrespeitoso;
- procurar desacreditar autoridade ou superior hierárquico, ou concorrer para isso;
- censurar atos superior ;
- deixar o militar deliberadamente, de corresponder ao cumprimento que seja dirigido;
- deixar , quando sentado de oferecer o lugar a superior de pé por falta de lugar, exceto em teatro, cinemas, restaurantes ou casas análogas, bem como em transportes pagos;
- usar de violência desnescessária no ato de efetuar prisão;
- tratar o subordinado hierárquico com injustiça, prepotência ou maus tratos;
- frequentar lugares incompatíveis com o decoro da sociedade;
- desrespeitar as convenções sociais
- ofender a moral ou os bons costumes, por atos, palavras e gestos;
- faltar à verdade ou tentar iludir outrem;
- embriagar-se com bebida alcoólica ou similar;
- contrair dívidas ou assumir compromissos superiores às suas possibilidades, comprometendo o bom nome da classe;
- esquivar-se a satisfazer compromissos de ordem moral ou pecuniária que houver assumido;
- representar a corporação em qualquer ato, sem estar para isso autorizado;
- travar polêmica, através dos meios de comunicação sobre assunto militar ou político;
- comparecer fardado a manifestações ou reuniões de caráter político;
- deixar de ter consigo documentos de identidade que o identifiquem
- recusar pagamento, fardamento, alimento e equipamento ou outros artigos de recebimento obrigatório;
- dar, vender, empenhar ou trocar peças de uniforme ou equipamento fornecidos pela Fazenda Nacional.