Nos últimos anos, o Brasil tem testemunhado um fenômeno que vem chamando a atenção da comunidade militar e dos especialistas em segurança: um número crescente de oficiais e praças pedindo demissão das Forças Armadas. A discussão ganhou ainda mais força com um vídeo publicado pelo canal “Eu Militar”, que reagiu a um vídeo sobre uma reportagem nossa publicada em 2023 sobre a debandada de oficiais do Exército e da Aeronáutica. O vídeo gerou grande repercussão, recebendo centenas de comentários de militares e ex-militares, entre eles a frase emblemática de um dos espectadores: “Vibração não paga as contas”.
A frase sintetiza uma realidade que muitos militares enfrentam: a motivação e o orgulho pela carreira militar não são suficientes para garantir uma vida financeira estável e satisfatória. Mas será que os baixos salários são o único fator que leva os militares a pedirem exoneração? Ou há questões mais profundas em jogo? Neste artigo, vamos explorar os principais motivos por trás desse movimento, analisando tanto os pontos levantados pelo canal “Eu Militar” quanto os comentários de seus seguidores.
O aumento das demissões: um fenômeno recente?
Historicamente, sempre houve militares que optaram por deixar a carreira, seja por frustração, novas oportunidades ou incompatibilidade com a rotina militar. No entanto, nos últimos anos, os pedidos de desligamento aumentaram significativamente. Segundo a reportagem publicada aqui na Revista Sociedade Militar, a lista de oficiais pedindo baixa, que antes ocupava apenas uma página, agora se estende por quatro páginas.
Entre os principais motivos apontados pelos militares que decidiram sair, destacam-se:
- Salários defasados em comparação a carreiras civis equivalentes;
- Falta de perspectivas de crescimento, principalmente para os praças;
- Subjetividade nas promoções, que podem depender mais de relações interpessoais do que de mérito;
- Carga de trabalho extenuante, especialmente em funções administrativas e de saúde;
- Comparação com outras carreiras públicas, onde os rendimentos são mais atrativos.
O que chama a atenção é que o perfil dos militares que pedem exoneração inclui tanto oficiais formados em academias de elite, como a Academia Militar das Agulhas Negras (AMAN) e o Instituto Militar de Engenharia (IME), quanto sargentos oriundos da Escola de Sargentos das Armas (ESA).
Salários: estão realmente baixos?
Um dos pontos mais abordados no vídeo do canal “Eu Militar” foi a questão dos salários. Muitos militares sentem que seus rendimentos não condizem com a complexidade e responsabilidade da função. De fato, um oficial das Forças Armadas ganha menos do que um auditor da Receita Federal ou um juiz, profissões que exigem níveis semelhantes de dedicação e dificuldade em seus concursos de ingresso.
Nos comentários do vídeo, um usuário destacou: “Aqui em Santa Catarina, soldado da PM irá ganhar R$ 7.290,00 inicial. Sargento da ESA é pouco inicial.” Esse tipo de comparação com carreiras policiais é comum, e reforça a ideia de que o salário nas Forças Armadas não é competitivo em relação a outras áreas da segurança pública.
Outro comentário reforça essa percepção: “Caio, se fossemos falar do melhor presidente que deu aumento para militares, Juscelino Kubitschek! Deu 100% de aumento, 2º Sargento ganhando 26 salários mínimos.” Essa referência ao passado ilustra o quanto a defasagem salarial impacta a motivação dos militares.
O papel da subjetividade nas promoções
Outro ponto polêmico levantado no vídeo é a subjetividade nos critérios de promoção. No Exército, até certo ponto da carreira, as promoções seguem um critério objetivo, baseado no tempo de serviço. No entanto, a partir de determinados patamares – como de capitão para major e de segundo sargento para primeiro sargento –, a avaliação de desempenho pode ser influenciada por fatores subjetivos, como a relação com superiores e participação em eventos internos.
Nos comentários, um usuário relatou sua experiência: “Eu servi no ano de 1991 no 14º BIMtz em Jaboatão dos Guararapes, Pernambuco. Meu filho serviu agora em 2021 no mesmo quartel e até para engajar não existe meritocracia e sim bajulação de sub.”
Essa percepção de que as promoções podem depender de relações interpessoais em vez de mérito pode gerar desmotivação entre os militares, especialmente entre aqueles que ingressaram na carreira com a expectativa de um crescimento baseado em desempenho.
Outras oportunidades: a fuga para concursos civis
Um fenômeno crescente entre os militares que pedem exoneração é a busca por outras carreiras públicas. Muitos veem os concursos civis como uma oportunidade de obter melhores salários e condições de trabalho sem abrir mão da estabilidade.
Um comentário no vídeo resume bem essa tendência: “No concurso da PMERJ, o que mais tinha era militar das Forças Armadas. O muro ficou baixo, pularam.”
Além disso, há aqueles que utilizam a estabilidade inicial proporcionada pela carreira militar como um trampolim para alcançar outros objetivos. Um seguidor do canal “Eu Militar” compartilhou sua estratégia: “Pro meu plano de vida, faz sentido prestar concurso para Sargento Músico… usar esse tempo estabilizado pra investir e fazer uma faculdade, mestrado e doutorado, e depois abrir meu estúdio e minha gravadora.”
Essa visão pragmática da carreira militar como uma fase transitória está se tornando cada vez mais comum, principalmente entre os praças, que enfrentam maiores desafios na progressão dentro da hierarquia.
O futuro das Forças Armadas
Com a saída de um número crescente de militares, surge a dúvida: como as Forças Armadas podem reverter essa tendência? Algumas possíveis soluções incluem:
- Reajuste salarial para tornar a carreira mais atrativa;
- Maior transparência e meritocracia nos processos de promoção;
- Melhoria nas condições de trabalho, especialmente em áreas administrativas e de saúde;
- Programas de retenção de talentos, oferecendo benefícios adicionais para militares que optem por seguir na carreira.
Apesar das dificuldades, o Exército ainda atrai milhares de candidatos todos os anos. Como destacou um comentário no vídeo: “Pra cada um que sai, tem uns 20 na fila pra entrar. É só ver a quantidade de inscritos nos concursos militares.”
Isso demonstra que, apesar das críticas e desafios, a carreira militar ainda é vista como uma opção viável para muitos brasileiros, especialmente aqueles que buscam estabilidade e uma formação sólida.