Durante conferência Internacional sobre o Crime Organizado, ocorrida em 20 e 21 de maio de 2025 na sede da Escola Superior de Advocacia, no Rio de Janeiro, o delegado da Polícia Federal aposentado Luiz Carlos de Carvalho Cruz, atual presidente da Comissão de Direito de Polícia Judiciária da OAB-RJ, defendeu que o Brasil já possui base legal e estrutura técnica para empregar as Forças Armadas em operações contra facções criminosas.
“… aqui no Rio de Janeiro maioria das mortes não são da sociedade civil como um todo, mas sim de grupos paramilitares que brigam por disputa de território né então assim esses conceitos eles são fundamentais…”
Facções atuam como grupos paramilitares
Cruz afirmou que o avanço do poder de fogo e da organização das facções, por ele definidas como grupos paramilitares, justifica a atuação coordenada entre polícias, agências de inteligência e Forças Armadas. Para o especialista, esses grupos “não são a chamada população civil”, mas sim grupos paramilitares.
“A maioria das facções criminosas utiliza armas. São poderes paramilitares, não são população civil. Estão com poder de fogo de alto calibre. Eles têm até carro blindado, bazuca, ponto 50”, destacou.
Para o delegado, não há impedimento legal para o uso moderado e técnico de militares, sobretudo em ações pontuais de alto risco, quando o aparato policial é insuficiente diante da estrutura bélica das facções.
Crítica à inversão do uso da inteligência
Outro ponto central da fala de Carvalho Cruz foi a crítica ao que chamou de “inversão de valores” no tratamento dado à atividade de inteligência no Brasil.
O delegado mencionou que, por exemplo, se uma agência estiver monitorando o celular do Marcola, preso, sem avisar a justiça, estaria cometendo um crime. Agora o Marcola, de dentro da cadeia, comete crimes com celular. Para ele isso seria uma inversão de valores.
Cruz defendeu que a atividade de inteligência deve ser protegida e usada para antecipar movimentos do crime organizado, mapear fluxos financeiros e operações logísticas, sem a exigência imediata de transformar tudo em prova judicial.
“Monitorando uma grande facção criminosa, isso é inteligência. Eu não vou pedir pro juiz porque a vara vai saber que o cara tá monitorando o PCC naquela conta bancária. Se eu puder usar esse recurso meramente como inteligência e acompanhar todo o monitoramento de todas as transações financeiras, eu vou chegar ao ponto da remessa pro exterior e vou continuar monitorando. A hora que eu precisar interferir na cadeia do crime, da logística criminosa, eu vou interferir lá em cima, muitas vezes com a cooperação internacional …”, explicou.
Proposta de estrutura nacional de segurança interna
Durante sua fala, Cruz também propôs a criação de uma estrutura nacional de segurança interna, nos moldes do Departamento de Segurança Interna dos Estados Unidos, com articulação entre polícias, Forças Armadas e inteligência. “Tudo já está pronto. Só falta coordenação. O presidente chama os ministros da Defesa e da Justiça, faz um acordo de cooperação entre os dois ministérios e começa a operar”.
Segundo ele, o foco excessivo nas ações armadas contra criminosos com fuzis, embora necessárias, não atinge a estrutura financeira que sustenta o crime organizado. Cruz estima que facções movimentam cerca de 30 bilhões de reais por ano.
“Quem tramita com esses 30 bilhões não é esse cara que tá com fuzil na mão, um pé de chinelo. Você vai saber da onde é que foram parar os 30 bilhões, e é lá que você vai bloquear aqueles 30 bilhões”, explicou.
Navios vermelhos, amarelos e laranja
Ao relatar sua experiência como diretor de operações nas Olimpíadas do Rio, Cruz citou o modelo britânico de controle de fronteiras como exemplo a ser seguido. Lá, embarcações são monitoradas com base em dados de inteligência, ganhando uma “classificação de risco” assim que entram no espaço marítimo.
“O trabalho que eu fiz lá de acompanhamento… Eles tinham todo um projeto de segurança de fronteiras, e a principal fronteira do Reino Unido é a fronteira marítima. Então todo o monitoramento das embarcações, com toda a inteligência do conhecimento de carga que chegava de cada navio, lista de tripulantes… Eles colocavam num sistema e filtravam: ‘Esse cara já cometeu crime aqui, ali, esse tipo de crime, esse navio já teve envolvimento com problema na Índia, na China, Hong Kong…’. Aquele sistema todo vai trazendo uma série de informações e, quando o navio entra no espaço marítimo, ele entra com uma cor: se é um navio normal, sem problema nenhum, sem nenhum histórico, aparece verde; se já tem alguma coisa estranha, ou seja, um tripulante suspeito, já aparece em amarelo; se ele é mais suspeito ainda, porque aquele próprio navio já teve envolvimento com outras apreensões, ele aparece em laranja. Chega a uma situação onde, vermelho, tem certeza: vai lá que vai ter problema. E essa classificação pode servir até para uma questão epidemiológica… ó, o cara tá ali, um contaminado de ebola…”
Ele também defendeu o uso de ações controladas, em cooperação com países estrangeiros, para permitir que drogas entrem sob vigilância até que se identifique toda a cadeia de distribuição. “A segurança interna só acompanha, não faz nada agora. Porque a gente precisa saber mais, precisa conhecer mais, porque senão vai pegar só estivador e a tripulação do navio”.
Inteligência deve ser protegida e profissionalizada
Por fim, Cruz reforçou que a inteligência deve ser feita por profissionais treinados e com perfil adequado, e que a informação produzida nesse ambiente deve ser protegida.
“Não pode virar prova, não pode ir para a imprensa. Inteligência é coisa séria. E há gente qualificada nas polícias e nas Forças Armadas para isso. Só falta organizar.”
Robson Augusto
Militar RM1 – Cientista Social, especialista em Inteligência e redes sociais
Revista Sociedade Militar