A presença do Brasil em missões de paz da ONU já é reconhecida globalmente, mas agora um projeto inovador. Liderado pela Tenente-Coronel Marcia Freitas de Hollanda Cavalcanti, a missão brasileira transforma a forma como a saúde é abordada na Missão das ONU para o Referendo no Saara Ocidental (MINURSO). Unindo saúde humana, animal e ambiental, a oficial veterinária tem feito a diferença em um território assolado por um dos conflitos mais persistentes do mundo.
Mas será que essa iniciativa brasileira, que começou de forma independente e depois ganhou apoio institucional, pode levantar questionamentos sobre o papel da ONU e suas prioridades em meio a uma região politicamente instável?
A guerra, a ONU e o papel inusitado da veterinária brasileira
Desde 2020, o cessar-fogo no Saara Ocidental foi rompido. O fato reacendeu tensões entre o governo de Marrocos e a Frente Polisário, que reivindica a independência da região. Nesse cenário, a MINURSO segue com dificuldades sobretudo para mediar o conflito e manter a estabilidade.
É nesse contexto que a TC Marcia Hollanda chegou à missão como observadora militar em junho de 2024. No entanto, logo percebeu uma questão negligenciada: a saúde dos animais que convivem com as tropas da ONU.
De acordo com a oficial brasileira, “os animais são fundamentais, pois atuam no controle biológico de vetores como escorpiões, serpentes do deserto e baratas, reduzindo o risco de acidentes e contaminações alimentares”. Além disso, o contato com os animais ajuda a diminuir o estresse dos militares, que vivem confinados em um ambiente isolado e hostil.
O projeto, que começou com recursos próprios, como materiais de castração e medicamentos antiparasitários, cresceu e chamou a atenção do alto escalão da MINURSO. Posteriormente, recebeu o apoio financeiro do quartel-general da missão. Agora, a iniciativa brasileira cobre nove instalações da ONU no Saara, cuidando de cerca de 160 cães e gatos.
Um modelo que pode ser exportado – mas há resistências
O sucesso da empreitada brasileira reacendeu o debate sobre a necessidade de veterinários em missões de paz da ONU, uma área tradicionalmente dominada por médicos e enfermeiros.
De acordo com a TC Maria, “a presença de veterinários não é apenas uma questão de bem-estar animal, mas também de segurança sanitária e controle de zoonoses”. Ela defende sobretudo a replicação do modelo em outras missões da ONU.
Porém, dentro da própria ONU há questionamentos sobre prioridades. Em uma região onde civis ainda vivem sob ocupação militar e sem uma solução definitiva para o conflito, alguns críticos argumentam que recursos da missão deveriam ir principalmente à estabilidade política e humanitária. A alocação de verba para um projeto veterinário, por mais inovador que seja, poderia desviar atenção de questões mais urgentes.
O Brasil e as Missões de Paz: inovação ou desvio de foco?
Atualmente, 48 militares brasileiros atuam em missões da ONU ao redor do mundo. Assim, projeta a imagem brasileira como um parceiro estratégico na segurança global e na própria ONU. A Chefe da Seção de Missões Individuais da Divisão de Missão de Paz do Comando de Operações Terrestres, Tenente-Coronel Renata Monteiro, destacou a importância do trabalho da TC Marcia.
De acordo com ela, “a contribuição da Marcia é um exemplo claro de como a versatilidade dos militares brasileiros pode trazer soluções inovadoras em locais isolados e desafiadores como o Saara”.
Apesar do debate sobre prioridades da ONU, é inegável que a iniciativa da TC Marcia reforça a capacidade do Brasil de oferecer abordagens inovadoras para problemas complexos. A questão agora é: a ONU deveria expandir esse modelo ou focar estritamente em sua missão política no Saara Ocidental?