Em mais uma daquelas cenas que parecem saídas de um roteiro patrocinado por Wall Street e aprovado por Hollywood, a cantora pop Katy Perry foi ao espaço com outras cinco mulheres. A viagem se deu a bordo de um foguete da Blue Origin, empresa espacial do bilionário Jeff Bezos. O voo durou exatos 11 minutos.
O lançamento aconteceu às 9h31 do dia 14, no deserto do oeste do Texas. O grupo atingiu a borda do espaço, teve alguns minutos para flutuar como em um clipe de música pop, e depois voltou à Terra. A operação foi vendida como um marco histórico: o primeiro voo espacial exclusivamente feminino desde 1963. Na ocasião, a soviética Valentina Tereshkova ficou quase três dias em órbita — sozinha.
Mas sejamos sinceros: o que era para ser um avanço simbólico acabou virando um espetáculo VIP orbitando o privilégio.
Katy Perry no espaço
Além de Katy Perry, estavam no foguete a noiva de Bezos, Lauren Sanchez, a apresentadora da CBS Gayle King, a ex-cientista da NASA Aisha Bowe, a ativista e cientista Amanda Nguyen e a produtora de cinema Kerianne Flynn.
A Blue Origin, claro, não divulga o valor exato dos ingressos. Mas sabemos que, para começar a “pedir um lugar”, você precisa fazer um depósito de pelo menos US$ 150 mil. Em 2021, alguém pagou impressionantes US$ 28 milhões por um assento.
De acordo com o professor Loizos Heracleous, da Warwick Business School, cada lançamento do New Shepard custa entre US$ 1 milhão e US$ 3 milhões. E faz um alerta: “Levará muito tempo até que o turismo espacial possa se tornar um negócio financeiramente sustentável, disponível ao público em geral”.
Ou seja, por enquanto, o espaço segue sendo para poucos.
“Girl power” nas alturas — mas e na Terra?
É bonito ver um grupo de mulheres no espaço, claro. A pauta de representatividade ganha mais um carimbo, ainda que seja bancado por um bilionário. Ironicamente, de acordo com especialistas, Jeff Bezos também é conhecido por pagar mal os funcionários da Amazon e por críticas à sua pegada ambiental.
Muita gente nas redes ironizou o “voo histórico” como um grande teatro para reforçar a imagem pública de Bezos e de sua futura esposa. Também houve quem questionasse o mérito técnico da façanha: valer como “viagem ao espaço” algo que mal dura o tempo de um café?
Fato é que, num planeta com fome, guerras, desigualdade extrema e colapsos climáticos batendo à porta, seis mulheres privilegiadas subirem 100 km para flutuar por alguns minutos e voltarem como celebridades intergalácticas não soa exatamente como o avanço civilizacional que esperávamos.