Em tempos de tecnologia de ponta, inteligência artificial e drones supersônicos, quem diria que a grande novidade da semana viria das profundezas do Atlântico Sul? Pois é: um casco antigo, coberto por décadas de sal e silêncio, foi o suficiente para reacender a chama da curiosidade histórica e reforçar o valor da Marinha na preservação da memória nacional. Mais que um achado arqueológico, a recente descoberta do navio Vital de Oliveira traz à tona um capítulo dramático e heroico da atuação brasileira na Segunda Guerra Mundial.
A pesquisa foi divulgada durante o Seminário Conjunto de História Militar da Defesa, realizado entre os dias 9 e 11 de abril, em Brasília e no Rio de Janeiro. E o que era para ser um evento técnico virou uma viagem no tempo – daquelas que misturam emoção, patriotismo e revelações impressionantes sobre a atuação brasileira em um dos maiores conflitos da humanidade.
Uma descoberta no fundo do mar reacende a memória naval brasileira: Navio Vital de Oliveira
O Vital de Oliveira, navio-auxiliar da Marinha, foi bombardeado por um submarino alemão em 1944, a cerca de 65 km do litoral de Macaé, no Rio de Janeiro. Mais de cem brasileiros perderam a vida nesse ataque. Agora, 80 anos depois, a embarcação foi localizada graças a uma combinação de tecnologia de última geração e persistência histórica. Ecobatímetros multifeixe e sonares de varredura lateral permitiram mapear com precisão o relevo marinho e criar modelos tridimensionais do casco e das estruturas do navio.
A iniciativa da Marinha vai muito além do resgate físico do navio. Trata-se de um projeto que pretende transformar o achado em documentário, registrando não só os detalhes técnicos, mas também a carga simbólica que ele carrega. Para o Capitão-Tenente Caio Cézar Pereira Demilio, mestre em arqueologia e um dos painelistas do evento, preservar o Vital de Oliveira é manter viva a memória dos tripulantes e reafirmar o compromisso institucional com a história do país.
Vital de Oliveira: símbolo do sacrifício e da resistência
Na época do afundamento, o Navio Vital de Oliveira era mais do que um navio de apoio logístico. Era parte vital da engrenagem de defesa costeira e escolta de embarcações civis e militares. Quando o submarino alemão U-861 disparou seu torpedo, não foi apenas um ataque a um navio, foi um golpe contra a atuação brasileira no esforço de guerra dos Aliados. O número elevado de mortos e a localização estratégica da embarcação mostram o quanto o Brasil já estava inserido diretamente no conflito.
A embarcação agora mapeada representa um dos poucos registros materiais do envolvimento naval do Brasil na Segunda Guerra. Ao trazê-la à tona, mesmo que virtualmente, a Marinha contribui para dar corpo, forma e identidade a uma parte da nossa história que muitas vezes fica à margem nos livros escolares.
A voz dos que viveram: memória oral da atuação brasileira
O seminário também trouxe à luz outra ação importante da Marinha: o Projeto Memória da História Oral. Trata-se de uma iniciativa de entrevistas com ex-combatentes da Força Naval que participaram da Batalha do Atlântico, onde submarinos inimigos ameaçavam constantemente os navios brasileiros. Essas entrevistas buscam preservar o olhar pessoal e humano daqueles que viveram o conflito, oferecendo ao público uma visão que vai muito além dos relatórios e documentos oficiais.
Como destacou o Primeiro-Sargento Robert Wagner Porto da Silva Castro, pesquisador e doutor em história, o projeto tem o objetivo de registrar e tornar públicas essas narrativas, fundamentais para uma compreensão mais profunda da atuação brasileira no conflito. Ao ouvir os veteranos, a Marinha constroi uma ponte entre gerações, garantindo que essas memórias não se percam com o tempo.
Navio Vital de Oliveira, mais que arqueologia: um compromisso com a identidade nacional
Essas ações mostram que a Marinha não atua apenas nos mares, mas também na preservação da história e da cultura nacional. O trabalho desenvolvido em torno do navio Vital de Oliveira e dos relatos orais faz parte de uma política mais ampla da Diretoria do Patrimônio Histórico e Documentação da Marinha, voltada à valorização da memória militar brasileira.
Durante o seminário, o público também pôde conferir exposições com objetos históricos e maquetes de aviões e navios da época. Houve, ainda, paineis com participação do Exército Brasileiro, abordando a Força Expedicionária Brasileira (FEB), e da Força Aérea Brasileira, com foco na aviação de patrulha e caça. Tudo isso reforça a ideia de que a atuação brasileira na Segunda Guerra foi muito mais complexa e articulada do que muitos imaginam.
A descoberta do Navio Vital de Oliveira e a valorização da história oral são apenas dois exemplos do papel estratégico que a Marinha desempenha na preservação da memória nacional. Ao explorar o passado com ferramentas modernas e respeito profundo pelas vidas que fizeram parte dele, a Força Naval brasileira mostra que sua atuação brasileira não se limita ao combate, mas se estende à cultura, à educação e à construção de identidade.
Resgatar essas histórias é, mais do que nunca, um ato de resistência contra o esquecimento. E como bem disse o Capitão-Tenente Demilio, que a lembrança dos que se foram “continue navegando, como farol de honra entre as novas gerações”.