A crescente influência da China na América Latina tem sido objeto de análise e preocupação, conforme evidenciado por publicações recentes em sites mantidos pelas Forças Armadas dos Estados Unidos.
Um texto publicado no Military Review, revista do Exército dos Estados Unidos, destacou o termo “milícias marítimas” ao se referir às frotas de pesca chinesa e que o país abusa da “utilização de forças e métodos não tradicionais para perseguir objetivos de segurança sem desencadear conflitos armados…”. O texto diz ainda que “tais operações são um meio atraente para potências relativamente desfavorecidas desafiarem um rival mais forte como os Estados Unidos.”
A revista militar “Diálogo Américas“, pertencente ao Comando Sul das Forças Armadas dos Estados Unidos e financiada pelo Departamento de Estado dos EUA, é outra publicação que tem destacado a China como uma potencial ameaça para os países da América Latina.
Amplamente lida por militares de países como Brasil, Argentina e Colômbia, e classificada como um projeto estratégico pelos Departamento de Estado dos EUA, a publicação do SOUTHCOM tem grande influência sobre militares latino-americanos e nos últimos meses parece ter dedicado um esforço especial em conscientizar aliados dos EUA sobre os riscos associados à presença chinesa na região.
Artigo na Diálogo Américas com data de 23 de outubro de 2023 diz que a Administração Nacional Oceânica e Atmosférica dos EUA (NOAA) mencionou a China por seu envolvimento com a pesca ilegal, não declarada e não regulamentada.
Euclides Tapia, professor titular de Relações Internacionais da Universidade do Panamá, descreveu a China como “uma nação insaciável e predatória nos mares do mundo”, exacerbando problemas como a escassez de alimentos e a poluição marinha. O relatório da NOAA também ressaltou a preocupação com a exploração excessiva de tubarões na pesca internacional e a necessidade de gerenciamento adequado.
Violações x Manipulação Política
Nos anos de 2020 a 2022, a China foi identificada por várias ONGs por violações relacionadas à conservação marinha, especialmente em relação a tubarões e tartarugas marinhas. Em resposta a estas acusações, a China classificou os relatórios dos EUA como “manipulação política”, negando as alegações.
A Coalizão para a Transparência Financeira (FTC) em janeiro de 2023 revelou que oito das dez empresas responsáveis por 25% da pesca irregular são de origem chinesa. Além disso, o governo chinês tem explorado costas distantes, incluindo as Filipinas, Ilhas Galápagos, Peru, Argentina e Chile.
A presença da frota pesqueira chinesa tem impactos significativos na economia e nos meios de subsistência de muitas comunidades costeiras da América Latina. Tapia destaca que a frota chinesa opera com um planejamento meticuloso, visando pescar ilegalmente em águas estrangeiras.
Em 2022, uma iniciativa chamada “Por La Pesca” foi lançada, uma colaboração entre a Agência dos EUA para o Desenvolvimento Internacional e várias ONGs ambientais, com o objetivo de combater a pesca INN e promover a sustentabilidade na pesca artesanal no Equador e no Peru.
A cooperação internacional contra a pesca ilegal, apoiada por relatórios como o da NOAA, é crucial. No entanto, Tapia conclui que é necessário um esforço multilateral mais decisivo, envolvendo os países afetados, para combater efetivamente a presença contínua da frota chinesa nas águas sul-americanas.
Abusa da cara-de-pau
A questão não é nova, a Revista Sociedade Militar tem acompanhado o tema de perto. Em 27 de novembro de 2018, João Lara Mesquita publicou texto na revista online Mar sem Fim, onde já denunciava a pesca predatória feita pelos chineses. No texto é revelado que um barco chinês perpetrou o extremo de investir contra embarcação brasileira dentro de nossas águas territoriais.
“ … o país abusa da cara-de-pau sabendo que não será censurado. E transforma o alto-mar numa terra de ninguém onde impera a bestialidade, apesar de dezenas de acordos internacionais que assinou e não cumpre. E, na maioria dos casos, o grande público sequer fica sabendo … Ambos pescavam atuns. O chinês, sabendo ser maior, sem avisar investiu contra o barco do Rio Grande do Norte abrindo um rombo no casco, a meia nau, que poderia tê-lo afundado.”
Milícias do mar
Em uma análise mais voltada para a defesa, o artigo no site do Exército dos EUA diz que apesar de os barcos de pesca são forças fracas para operações militares tradicionais, eles possuem vantagens no que diz respeito a uma guerra assimétrica no oceano, que seriam: “por serem baratos, os navios de pesca sempre superarão os navios de guerra. Implantadas em grande número usando táticas de enxame, as pequenas embarcações podem representar uma ameaça assimétrica aos navios de guerra”

“Em vez de uma ameaça cinética, os navios de pesca chineses apresentam uma ameaça mais perturbadora. Implantados em números ainda limitados, os barcos de pesca podem inibir, se não impedir completamente, a capacidade de um navio de guerra de conduzir operações rebocadas e de voo (ambas essenciais para a guerra anti-submarino”.
O texto adverte que as tripulações chegam a ter adestramento sobre como implantar minas: “em operações de combate, o papel principal da milícia marítima seria provavelmente o apoio ao reconhecimento, embora alguns navios também tenham recebido formação em colocação de minas.”
Como se percebe, mais que se preocupar unicamente com a questão da pesca predatória, a presença cada vez maior de frotas de pesca da China na América Latina tem cada vez mais colocado os militares dos EUA em alerta e tem sido considerada pelos militares dos EUA por seu viés militar – estratégico.
Robson Augusto – Revista Sociedade Militar
https://marsemfim.com.br/pesca-ilegal-os-abusados-chineses-no-atlantico-sul/