A Revista Sociedade Militar publicou recentemente matéria sobre a cerimônia de aniversário da Escola de Sargentos das Armas e formatura dos novos sargentos da Força terrestre.
Como é de praxe em toda cerimônia militar, a maior autoridade presente profere suas palavras em forma de discurso previamente escrito. Não há, portanto, muitas surpresas no pronunciamento do comandante do Exército, general Tomás Miné Ribeiro Paiva.
Contudo, nem tudo é totalmente maquinal e muito menos gratuito na fala do general Tomás. Há obviamente espaço para injetar alguma diretriz institucional.
Para além dos necessários salamaleques de sempre, a certa altura do discurso dirigido aos jovens formandos, Miné dá o norte ideal aos novos militares e vaticina o que o Exército brasileiro “deseja dos futuros líderes de pequenas frações”:
“O espírito que queremos em nosso sargento: isonômico, estoico, desprendido e corajoso. O espírito do sargento do Exército real, que é próximo do povo e que ajuda a todos.”
A palavra chave, o centro de gravidade nessa exortação quase poética, mas cirúrgica, é “estoico”. Em filosofia, “estoico” é aquele que é adepto do estoicismo.
Mas, o general Miné não discursou para filósofos nem pensadores. Ele discursou para jovens guerreiros. Nesse sentido, “estoico” também pode significar o “indivíduo que não se abala ante os infortúnios, as adversidades da vida“, e principalmente “aquele que se mostra conformado com o sofrimento“. Uma bela imagem…
O DE CIMA SOBE
Outra matéria publicada pela Revista Sociedade Militar intitulada “Lula faz o jogo dos generais: PEC dos militares só prejudica os sargentos” trata da PEC 42, que, em última instância, vai limitar e dificultar a candidatura política dos militares.
Quem observou os últimos dez anos da aventura política dos militares entendeu que os oficiais, principalmente os oficiais generais, que são o limiar entre o mundo civil e o mundo militar e que efetivamente detém o poder maior nas Forças Armadas, têm muito mais “capital político” para se elegerem do que qualquer outro militar, principalmente os de patentes inferiores.
Quem conhece minimamente a estrutura hierárquica da caserna sabe muito bem que é mais “atraente” para o eleitor depositar confiança num general do que num sargento ou num subtenente. Questão de influência, nada pessoal.
Quem tem muito mais chances de se enveredar com sucesso pelos caminhos da política são os oficiais generais. Desde que assumem comandos de unidades militares, passam a ser presenças frequentes entre os expoentes sociopolíticos de suas áreas geográficas de comando.
Ao fim dos 35 anos de atividade militar, se assim quiser, um general, almirante ou brigadeiro já terá mais ou menos aplainado um caminho até invejável na selva política, justamente devido ao “estreitamento de laços” feito ao longo dos anos.
Medalhas, diplomas, cerimônias oficiais e outras adulações em nome das Forças Armadas serão para ele degraus de ascensão na seara política.
Sobre essa relação de bastidores entre militares e políticos (leia-se generais, almirantes e brigadeiros) o próprio general Villas Bôas, ex-comandante do Exército (em entrevista ao antropólogo Celso Castro) diz que:
“até chegarmos a esse grau de amizade e confiança, um longo caminho de aproximação precisa ser percorrido, independentemente do partido de filiação. Esse processo inicia-se nas bases, envolvendo os comandos com sede em cada capital, onde também atuam assessores parlamentares locais.”
Os outros militares, principalmente os sargentos, proibidos de se filiarem a partidos políticos e temerosos de perderem o salário, deverão esperar 35 anos para se iniciarem na política.
É óbvio que os oficiais generais, para além da vantagem “natural” que a instituição militar já lhes franqueia, têm, com a nova PEC, uma vantagem a mais. Eles praticamente não terão concorrentes militares em suas ambições políticas, pelo menos não entre os sargentos das Forças Armadas.
FALA GLAUBER
Uma das teses usadas para se explicar o apoio recebido por Jair Bolsonaro por parte dos oficiais generais das três Forças Armadas está atrelada a uma antiga e recorrente pauta política dos militares: o salário.
Quem aposta nessa teoria afirma que logo no início do governo, ainda no primeiro semestre de 2019, o então presidente da República apresentou um projeto de lei que concedeu reajustes para a cúpula armada por meio de modificações em regras sobre cursos.
Na época, subtenentes e sargentos reclamaram muito, mas o presidente decidiu pela versão apresentada pelo então Ministro da Defesa, general Fernando Azevedo.
Há diversas matérias publicadas sobre as idas e vindas de suboficiais e sargentos à Câmara dos deputados em confronto, às vezes aberto, contra a influência direta de oficiais generais.
Em pronunciamento na Câmara dos Deputados, o deputado federal Glauber Braga (PSOL) disse que, enquanto generais, almirantes e brigadeiros teriam recebido um gordo reajuste, várias categorias de praças e pensionistas ficaram de fora.
O deputado alega que isso foi um dos primeiros atos de toda essa história. O pronunciamento completo do deputado pode ser conferido neste link.
Pois bem, sendo correta essa teoria aventada por Glauber Braga, o discurso do general Tomás e dos futuros sargentos conformados com o sofrimento ganha contornos lapidares.
Em futuro não muito distante, os generais ditarão não só os destinos interna corporis dos militares, mas também os destinos sociopolíticos.
Texto de J.B.Reis – Revista Sociedade Militar