O tenente-coronel Mauro Cid, citado há alguns em artigo da Revista Sociedade Militar, pediu nesta quinta-feira (6) ao Supremo Tribunal Federal (STF) absolvição sumária das acusações que constam na denúncia sobre a trama golpista. Ex-ajudante de ordens de Jair Bolsonaro, Mauro Cid fez acordo de delação premiada com a Polícia Federal (PF) na qual contou a participação do ex-presidente e aliados na tentativa de golpe para impedir o terceiro mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Apesar de ser delator, Mauro Cid também foi denunciado pela PGR. A medida é praxe nos casos de delação. Na prática, o militar ficará longe da punição total e vai ganhar os benefícios se cumprir com os termos do acordo.
Na manifestação enviada ao Supremo, a defesa do militar pediu a manutenção do acordo de delação e disse que Cid não pode ser acusado de crimes porque cumpria sua função de ajudante de ordens.
“Mauro Cid estava desempenhando sua função na ajudância de ordem da Presidência da República, cumprindo, portanto, seu dever legal regulado.
Essa conduta de porta-voz que lhe é atribuída pela Procuradoria Geral da República, era sua obrigação legal vinculada ao estrito cumprimento de seu ofício, e como tal, abrigada por uma excludente de ilicitude devidamente prevista no Código Penal”, diz a defesa.
Mauro Cid foi ameaçado ou não!?
Segundo reportagem da Agência Brasil, a defesa também garantiu ao STF que Mauro Cid não foi ameaçado para assinar a delação. Segundo os advogados, todas as etapas das delações foram acompanhadas pelos profissionais.
“Jamais a defesa constituída admitiria qualquer espécie de coação ou induzimento na prestação de informações por Mauro Cid.
“A defesa jamais admitiria ou se submeteria a qualquer ato de coação ou na negociação de um acordo que comprometesse o seu mais amplo direito de defesa”, afirmaram os advogados.
Prazo de dois oficiais generais foi maior
O prazo para entrega da defesa da maioria dos denunciados terminou na quinta-feira (6), exceto no caso do general Braga Netto e do almirante Almir Garnier, que tiveram até sexta-feira (7) para se manifestarem sobre a denúncia.
Após a entrega de todas as defesas, o julgamento da denúncia vai ser marcado pelo STF.
Mauro Cid usa defesa de Nuremberg
A chamada “defesa de Nuremberg” foi uma tática usada pelos advogados que defendiam os nazistas nos julgamentos de Nuremberg, após a Segunda Guerra Mundial.
A linha de ação era basicamente uma justificativa meio mambembe usada pelos nazistas para tentar se eximir de responsabilidade por crimes de guerra.
Assim como instrui o advogado de Mauro Cid, essa defesa consistia em alegar que os acusados estavam apenas “cumprindo ordens” de seus superiores, sem questionar ou assumir responsabilidade pessoal pelas ações cometidas.
A “defesa de Nuremberg” foi amplamente rejeitada pelos tribunais, que estabeleceram o princípio de que seguir ordens não é uma justificativa válida para cometer crimes contra a humanidade.
O Tribunal de Nuremberg concluiu que os indivíduos têm a responsabilidade moral e legal de questionar e recusar-se a cumprir ordens que violem as leis internacionais e os direitos humanos.
Equivalência entre crimes de golpe de estado e contra a humanidade
De acordo com o Observatório da Democracia, o crime de tentativa de golpe de Estado, previsto no artigo 359-M do Código Penal brasileiro, é definido como tentar depor, por meio de violência ou grave ameaça, o governo legitimamente constituído.
A mera tentativa em si já configura o crime, independentemente do resultado. Esse tipo de crime é considerado plurissubjetivo, geralmente envolvendo várias pessoas, mas podendo ser praticado por uma única pessoa em casos excepcionais.
Segundo o Direito, não é possível afirmar categoricamente que o crime de tentativa de golpe de estado é equivalente ao crime contra a humanidade.
Apesar de poderem ocorrer em outros contextos, os crimes contra a humanidade são tipicamente associados a regimes autoritários ou conflitos armados. É difícil imaginar um golpe ou um autogolpe sem que se lhe sucedam violações sistemáticas de certos direitos humanos.
Crime contra a humanidade cometido por agente público
Um caso sem precedentes judiciais no Brasil consta da sentença histórica exarada pelo juiz federal Sílvio César Arouck Gemaque, em 1971.
Foi a primeira vez em que uma sentença reconheceu como crime contra a humanidade (no caso, o art. 148, § 2º, c/c art. 29 do Código Penal – sequestro qualificado) um ato praticado por agentes da repressão ditatorial.
A decisão não só definiu o crime de sequestro como equivalente ao crime permanente de desaparecimento forçado, com base em precedentes do próprio Supremo Tribunal Federal (STF) (Extradições 1.150 e 1.270), como o incluiu no rol de crimes contra a humanidade que o Estado brasileiro deve investigar e eventualmente promover a persecução e julgar.