No Brasil, o 8 de maio foi marcado por homenagens solenes promovidas pelas Forças Armadas aos combatentes da Força Expedicionária Brasileira (FEB), que lutaram na Segunda Guerra Mundial. Ao mesmo tempo, o governo federal e seus aliados ideológicos optaram por enaltecer a versão dos fatos difundida por Moscou, Cuba e Venezuela, em sintonia com a retórica da chamada “Grande Guerra Patriótica”, nome utilizado pelos militares russos para se referir ao mesmo conflito global.
Enquanto o Exército, a Marinha e a Aeronáutica reverenciavam os heróis brasileiros com cerimônias militares em diversas cidades, membros do Partido dos Trabalhadores (PT), diplomatas da Rússia e representantes de regimes autoritários reforçavam um alinhamento simbólico com a narrativa soviética. O contraste entre os eventos escancarou uma tensão simbólica no modo como o Brasil lida com sua história militar.
Cerimônias militares reverenciam a memória dos combatentes brasileiros
O Dia da Vitória na Europa celebra o anúncio da rendição oficial da Alemanha nazista aos Aliados, ocorrido em 8 de maio de 1945, na catedral de Reims, na França. Na ocasião, países como Reino Unido, França e Estados Unidos comemoraram com grandes celebrações públicas. No Brasil, as Forças Armadas organizaram atos marcantes no Monumento Nacional aos Mortos da Segunda Guerra Mundial, no Rio de Janeiro, e na Praça dos Heróis da FEB, em São Paulo.
O Exército também publicou um vídeo especial com imagens históricas e mensagens institucionais em homenagem aos Pracinhas. A iniciativa reforça o compromisso da instituição com a preservação da memória dos 25 mil militares brasileiros que lutaram contra o nazismo na campanha da Itália entre 1944 e 1945. O vídeo está disponível no canal oficial do Exército Brasileiro no YouTube (link oficial).
Eventos pró-Rússia tentam associar a FEB à retórica soviética
No mesmo período, a embaixada da Rússia e organizações civis pró-Moscou promoveram atividades com o objetivo de associar a imagem dos combatentes da FEB à visão russa do conflito. Uma das ações mais evidentes foi organizada pelo deputado Delegado Marici (PT), na Assembleia Legislativa de São Paulo. O evento, realizado no último dia 5, contou com a presença de representantes diplomáticos da China, da Venezuela e de Cuba.
Além disso, marchas de apoio à Rússia foram realizadas em cidades como Rio de Janeiro, Brasília, Belo Horizonte e em uma cidade do interior gaúcho. Os participantes foram incentivados a portar bandeiras da antiga União Soviética, da Rússia e da própria FEB, além de fotos de parentes que lutaram durante a guerra. Muitos dos envolvidos eram descendentes de imigrantes das ex-repúblicas soviéticas.
Lula prepara presença em parada militar ao lado de líderes autocratas como Nicolás Maduro (Venezuela), Xi Jinping (China), Miguel Díaz-Canel (Cuba) e Vladimir Putin (Rússia)
O contexto político da semana também foi marcado pela preparação da viagem do presidente Luiz Inácio Lula da Silva a Moscou, onde deve participar da tradicional parada militar russa ao lado de líderes como Nicolás Maduro (Venezuela), Xi Jinping (China), Miguel Díaz-Canel (Cuba) e Vladimir Putin (Rússia). A ida de Lula tem gerado críticas de diversos setores das Forças Armadas e de lideranças parlamentares.
Em discurso ontem (08/05) no plenário do Senado, o senador Hamilton Mourão (Republicanos-RS) afirmou: “O Brasil não lutou na frente russa. E antes de declarar guerra às potências do Eixo, estava alinhado com as democracias ocidentais, enquanto a União Soviética permanecia mancomunada com a Alemanha nazista por conta do infame pacto Molotov-Ribbentrop”. O senador se referia ao pacto de não-agressão assinado em 1939 entre os dois regimes totalitários, que dividiu a Europa em zonas de influência.
Mourão também condenou a escolha de Lula em participar da cerimônia russa: “Como é perigosa essa atitude do nosso presidente, reitero, comandante em chefe das Forças Armadas. Reiterada nessa viagem despropositada, comprometendo o futuro do país, daqui por diante passível de ser tomado como aliado de autocratas assassinos, inimigos da paz mundial, da liberdade dos povos e dos direitos humanos.”
Esquecimento dos Pracinhas acende alerta em setores militares
Para Mourão, Lula errou ao ignorar os heróis da FEB: “O senador disse que Lula esqueceu dos Pracinhas brasileiros e que deveria ter ficado no Brasil para homenageá-los em 8 de maio ao invés de ir ‘a uma comemoração em Moscou com a qual nada temos a ver, a começar pela data: dia 9’, disse.”
O próprio Mourão revelou que seu pai foi um dos soldados enviados à Itália. Ele ressaltou que os brasileiros lutaram ao lado de norte-americanos, britânicos, poloneses e tropas das colônias aliadas, e que não houve cooperação com forças soviéticas durante a guerra.
Campanha da FEB na Itália é exaltada por oficiais
Durante a cerimônia em São Paulo, o general Pedro Celso Coelho Montenegro, comandante militar do Sudeste, destacou a atuação da FEB na Segunda Guerra Mundial. Em seu discurso, ele afirmou: “As façanhas da FEB na campanha da Itália são testemunhos eloquentes da bravura e da competência de nossas Forças Armadas. Desde o desembarque do primeiro escalão, chefiado pelo general Zenóbio da Costa, em julho de 1944, até as derradeiras batalhas de abril de 1945, nossos soldados enfrentaram condições adversas e um inimigo aguerrido, com determinação inabalável.”
O general também ressaltou os feitos táticos da FEB: “A tomada de Monte Castelo em 21 de fevereiro de 1945 foi um dos mais notáveis feitos das nossas armas. Esse êxito abriu caminho para o avanço aliado rumo a Bolonha.” Ele relembrou ainda as vitórias em Monte Belvedere, Castelnuovo, Montese e a rendição de três divisões inimigas em Fornovo di Taro.
Montenegro concluiu seu discurso com um apelo à valorização das Forças Armadas: “O que estamos aqui fazendo é resgatar a memória. Nós precisamos ter forças armadas para dar respaldo à classe política no cumprimento da sua missão constitucional que é a defesa da Pátria, da nossa soberania.”
Diplomatas europeus reconhecem o papel dos brasileiros
A solenidade contou ainda com a presença de diplomatas europeus. O cônsul ucraniano Jorge Rybka e sua esposa, Márcia, participaram do ato e depositaram coroas de flores em homenagem aos Pracinhas.
Rybka declarou: “Os Pracinhas tiveram um papel muito importante. Defenderam os mesmos ideais que a Ucrânia defendia, defende e defenderá: a liberdade dos povos.”
Ele também destacou a origem de parte dos combatentes: “O dia da vitória é o dia 8, onde a Europa juntamente com os Estados Unidos comemoram o encerramento da Segunda Guerra. Hoje aqui no Brasil sim homenageando os heróis brasileiros. Entre esses 25 mil expedicionários temos mais de 200 de origem ucraniana. São descendentes de ucranianos que lutaram na Itália pelo Brasil. A Ucrânia os reconhece também.”