
A rotina dos controladores de voo, marcada por altos níveis de responsabilidade, vigilância constante e pressão psicológica intensa, já é considerada uma das mais estressantes do mundo. No Brasil, porém, essa carga não é proporcional ao que esses profissionais recebem ao fim do mês. Muitos deles, sobretudo os civis ligados à estatal Nav Brasil, relatam a necessidade de recorrer a bicos como motorista de aplicativo ou professor particular para completar a renda e manter as contas em dia.
Um exemplo é o de Glauber Barbosa, 42, controlador de voo no aeroporto de Ilhéus (BA) há nove anos. Com turno diário de nove horas, ele monitora até 50 voos entre pousos, decolagens e cruzamentos de espaço aéreo. Apesar da escala que alterna três dias de trabalho e três de folga, o salário líquido de cerca de R$ 4.200 não cobre as despesas da casa. “Nos dias em que não estou no controle de voo, pego o carro e saio para fazer Uber, entregas, o que for possível para ter uma renda paralela”, afirma. “A aviação é apaixonante, gosto do meu trabalho, mas confesso que está difícil. Vivemos uma situação absolutamente desproporcional em relação à responsabilidade que temos e o que recebemos para isso”, acrescenta.
O cenário descrito por Barbosa não é isolado. Segundo levantamento do Sindicato Nacional dos Trabalhadores na Proteção ao Voo (SNTPV), cerca de 40% dos 530 controladores civis ativos no país já realizaram atividades paralelas para se sustentar. A diretora do sindicato, Isabela Pinho, que também atua no controle por radar em Macaé (RJ), conta que colegas produzem marmitas, dão aulas ou fazem trabalhos administrativos. Ela mesma se afastou da função técnica por motivos de saúde mental, após 14 anos na área. “A verdade é que as pessoas têm uma visão distorcida da nossa realidade. Não conseguimos sequer usufruir daquilo que nós mesmos monitoramos, que é voar e viajar.”
O controle do espaço aéreo brasileiro é centralizado no Departamento de Controle do Espaço Aéreo (Decea), vinculado à Força Aérea Brasileira (FAB), mas nem todos os profissionais vêm da carreira militar. Aproximadamente 12% dos controladores são civis concursados da Nav Brasil, empresa pública criada em 2021 a partir da Infraero. Enquanto a FAB mantém um sistema de carreira próprio, com concursos regulares e gratificações específicas, os civis enfrentam anos de estagnação salarial e falta de renovação de quadro.
O último concurso público para controladores civis foi realizado em 2011. A última convocação ocorreu em 2018. Desde então, nenhuma nova admissão foi realizada. “Há mais de uma década não há concurso para renovação do quadro civil. Em média, as pessoas ficam entre 5 e 10 anos na função, mas depois saem, porque não há motivação. O salário, no máximo, chega a cerca de R$ 9.000”, afirma Lucas Borba Inácio, controlador no aeroporto Santos Dumont (RJ) e vice-presidente do SNTPV.
A situação é agravada por uma defasagem operacional que atinge todo o setor, em linha com uma crise global na área. Nos Estados Unidos, estima-se um déficit de 3.000 controladores. No Brasil, os dados não são oficialmente divulgados, mas o sindicato estima que o número de profissionais está 25% abaixo do mínimo ideal. “No aeroporto de Guarulhos, por exemplo, há 41 controladores de voo, mas a necessidade exigida para o mínimo operacional é de 65. No Santos Dumont, há 22 controladores, quando deveria ter, no mínimo, 28”, afirma Inácio.
Questionada sobre o tema, a FAB informou que tenta reestruturar cargos e salários por meio de concursos e programas internos, mas destacou que a carreira militar possui “características próprias”. A Força afirma que os salários iniciais variam entre R$ 6.200 e R$ 6.375, mas os benefícios e descontos aplicados diferem bastante entre militares e civis. A Nav Brasil, por sua vez, admitiu dificuldades para renovar o quadro e informou que está em fase final de elaboração de um novo Plano de Cargos e Salários (PCS), necessário para pleitear autorização federal para um novo concurso, previsto apenas para 2026.
Segundo a estatal, a média salarial em abril de 2025 foi de R$ 10.977 para seus controladores, com possibilidade de aumento imediato de até 20% com a implementação do novo plano. Ainda assim, a empresa reconhece que muitos de seus funcionários realizam atividades paralelas e afirmou que não interfere nesses trabalhos, embora recomende que o tempo de folga seja usado para descanso adequado, dada a exigência da função.
A Nav Brasil responde pelo controle do tráfego aéreo em 43 aeroportos brasileiros, entre eles alguns dos mais movimentados do país, como Guarulhos e Campinas (SP) e Santos Dumont e Jacarepaguá (RJ). O sindicato alerta que, se nada for feito, o risco de sobrecarga continuará crescendo. “Controlador cansado, preocupado com as contas ou trabalhando fora do expediente, é um risco para a segurança de todos”, conclui Lucas Inácio.
Fonte: folha.uol