Um dito pouco conhecido de um personagem menos conhecido ainda poderia bem representar a queda ruidosa do muro antes sólido que separava os militares da política e vice-versa. “Quando a política entra no quartel por uma porta, disciplina e coesão saem por outra.” A frase foi dita pelo general Peri Constant Bevilaqua, chefe do Estado-Maior das Forças Armadas (EMFA), entre 1963 e 1965, cargo de confiança do presidente João Goulart.
Em 1965, um decreto presidencial exonerou Bevilaqua do EMFA e outro o nomeou ministro do STM. Durante seu período no tribunal, o general atuou de maneira decisiva na defesa dos direitos de civis e militares perseguidos pela ditadura.
A frase lapidar de Bevilaqua sobre disciplina e política foi a assíntota em torno da qual gravitaram os militares brasileiros desde maio de 2018, quando o general Villas-Bôas, então comandante do Exército brasileiro, ameaçou de maneira sutil e poética, mas ainda assim acintosa, o Supremo Tribunal Federal.
A peitada virtual via Twitter cobrava a manutenção da prisão do atual presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva.
A partir dessa “tuitada” – uma atualização da antiga quartelada – e de alinhamentos entre militares e políticos, pavimentou-se o caminho para o governo mais militarizado da história do Brasil.
CONTRA O ASSÉDIO ELEITORAL
Pois ainda que com alguns anos de atraso, a politização indevida dos militares tornou-se nestes dias objeto de reprimenda do fiscal da lei por excelência.
O Ministério Público de Minas Gerais publicou em seu perfil no Instagram uma peça de campanha contra o assédio eleitoral dentro dos quartéis.
A descrição da imagem na rede social diz que “a liberdade de voto é um direito fundamental que deve ser protegido. Assédio eleitoral, incluindo pressões para apoiar determinadas candidaturas, é inaceitável e ilegal.”
Cita como exemplos de ilegalidade “comandantes que se utilizam [de] sua posição para influenciar as escolhas políticas dos subordinados, seja por meio de pressão direta ou por meio de insinuações.”
O MP afirma estar comprometido “em combater essas práticas, garantindo que todos os membros das Forças Armadas possam votar segundo sua própria consciência.”
E dá um recado a todos que venham a sofrer pessoalmente ou presenciar coação em seu direito de voto. “Se enfrentar ou testemunhar tais práticas, entre em contato com o MPMG para reportar o caso.”
INTEGRIDADE MILITAR
Aqui o MP ecoa as palavras do general Peri Constant Bevilaqua: “o assédio eleitoral nos quartéis não apenas viola a liberdade individual, mas pode também comprometer a integridade das unidades militares.”
O MP-MG afirma que atua fortemente para erradicar situações como “a obrigatoriedade de participar em atos políticos ou o uso de recursos militares em campanhas”, as quais denomina como “formas de assédio”.
A lei é clara: qualquer membro das Forças Armadas, ativo ou inativo, e mesmo civis, podem ser responsabilizados por essas ações.
O MP convida as pessoas que venham a enfrentar ou testemunhar tais práticas, que entrem “em contato com o MPMG para reportar o caso.”
IRÔNICA COINCIDÊNCIA
Entretanto, o detalhe inusitado, e até certo ponto irônico, da publicidade do MPMG ficou por conta da arte gráfica feita para a campanha.
Sobre a foto de uma urna eletrônica, está um militar fardado, altamente condecorado e sentado em uma cadeira de rodas.
Dado o teor da campanha e seu objeto, é impossível pensar em coincidência. O único militar da história do Brasil, portador de Esclerose Lateral Amiotrófica (ELA), conhecido por se locomover fardado em uma cadeira de rodas, é o general Eduardo Villas-Bôas, ex-comandante do Exército Brasileiro.