A história de Carlos Magno Nazaré Cerqueira é um marco na evolução da segurança pública no Brasil. Este visionário reformou a Polícia Militar do Rio de Janeiro e abriu caminhos para transformações democráticas e humanizadas em uma instituição historicamente marcada por autoritarismo e preconceitos. Sua trajetória, repleta de desafios e conquistas, oferece um retrato inspirador de coragem e dedicação em meio a resistências institucionais e sociais, como destacado pelo canal Iconografia da História.
O Comandante Nazaré Cerqueira modernizou práticas policiais e trouxe um olhar mais inclusivo e ético para a corporação. Sua luta por justiça e igualdade continua sendo referência nos debates sobre segurança pública no Brasil.
Infância e formação de um líder que enfrentou as barreiras do racismo estrutural
Carlos Magno Nazaré Cerqueira nasceu em 11 de setembro de 1937, no bairro de Olaria, Rio de Janeiro. Filho de baianos que migraram para a capital fluminense nos anos 1920, cresceu em um lar modesto, mas com valores sólidos. Desde cedo, enfrentou as barreiras do racismo estrutural, ensinadas principalmente por seu pai, que abandonava trabalhos em resposta a situações discriminatórias. Essa consciência racial foi uma base importante para sua vida e carreira na segurança pública.
Ainda jovem, Nazaré aprendeu a ler e escrever com sua mãe dentro de casa, em um ambiente protetor. Seus pais temiam que, como jovem negro e pobre, ele fosse vitimado pela violência caso se envolvesse com as pessoas erradas. Essa precaução o levou a seguir um caminho definido: tornar-se policial.
Curiosamente, foi o próprio pai quem sugeriu a carreira, identificando-a como uma das poucas profissões que aceitavam negros com menos exclusão. Assim, Nazaré ingressou na Escola de Oficiais do Distrito Federal, então localizada no Rio de Janeiro, na época do Estado da Guanabara.
Em 1956, formou-se como primeiro colocado de sua turma, mostrando desde o início sua inteligência e dedicação. No entanto, não demorou para que sua postura progressista o colocasse em conflito com as normas institucionais dentro da segurança pública. Em 1958, foi punido por tratar um jovem negro preso com respeito, um gesto que desafiava os padrões da época. Esse episódio marcou o início de uma carreira focada na luta por igualdade e justiça dentro da corporação.
Transformações e desafios na Polícia Militar
Nos anos 1960, Nazaré Cerqueira começou a se destacar como um defensor da democratização e modernização da Polícia Militar. Ele acreditava que a instituição deveria servir à população, e não combatê-la. Inspirado em modelos europeus e norte-americanos, pregava a integração da polícia militar com as comunidades, propondo a criação de cursos de formação que incluíssem aspectos psicológicos e sociais.
Entre suas ideias inovadoras estava a necessidade de um treinamento mais humanizado para os policiais. Nazaré defendia que a corporação da Polícia Militar não poderia absorver sozinha a responsabilidade de resolver todos os problemas sociais na segurança pública.
Cerqueira alertava para os altos índices de suicídio e alcoolismo entre os agentes e introduziu programas voltados à saúde mental, além de cursos de aperfeiçoamento. Sua proposta visava preparar os policiais para o combate e também para atuar como aliados das comunidades que deveriam proteger.
No final dos anos 1970, Nazaré foi um dos primeiros a defender a entrada de mulheres na Polícia Militar do Rio de Janeiro, uma ideia revolucionária para a época. Graças ao seu empenho, as primeiras recrutas passaram a ocupar funções de trânsito e, posteriormente, cargos administrativos e operacionais.
Essa inclusão ajudou a reduzir os níveis de corrupção e marcou um avanço significativo na igualdade de gênero dentro da corporação. Mesmo diante de resistências internas, Nazaré continuou implementando medidas que buscavam humanizar o trabalho policial.
Programa Educacional de Resistência às Drogas e à Violência (PROERD)
Um de seus maiores legados foi a criação do PROERD (Programa Educacional de Resistência às Drogas e à Violência), que promoveu uma relação mais próxima entre policiais e estudantes, orientando jovens sobre os perigos do uso de entorpecentes. Esse programa, que surgiu nos anos 1990, segue ativo até hoje, com resultados positivos na prevenção ao crime.
Uma tragédia que marcou a Polícia Militar e o Brasil
A carreira de Nazaré Cerqueira foi marcada por avanços significativos, mas também por conflitos. Sua postura firme contra grupos de extermínio e corrupção dentro da polícia gerou inimizades. Em 1999, sua trajetória foi abruptamente interrompida. No dia 14 de novembro, enquanto estava no edifício Magnus, Nazaré foi assassinado por Sidney Rodrigues, um segundo-sargento da corporação.
Sidney, que já havia demonstrado uma obsessão pelo comandante, atirou em Nazaré e foi morto segundos depois. Até hoje, as circunstâncias em torno do crime permanecem nebulosas.
Embora sua morte tenha sido um golpe para aqueles que acreditavam em suas ideias, o legado de Nazaré Cerqueira continua vivo. Suas iniciativas pioneiras ajudaram a moldar a Polícia Militar do Rio de Janeiro, tornando-a mais inclusiva e voltada para a prevenção e o serviço à população.
Sua história serve como um exemplo de que a luta por justiça e igualdade é um caminho repleto de desafios, mas também de transformações significativas.
Hoje, Nazaré é lembrado como um dos maiores nomes da segurança pública no Brasil. Sua vida é um testemunho da importância de lideranças comprometidas com a democratização e a dignidade humana, mesmo em contextos adversos. Seu exemplo continua a inspirar aqueles que acreditam que uma polícia justa e eficiente é possível.