A Marinha está no centro de uma crise com a advocacia, após advogados relatarem que tiveram seus aparelhos eletrônicos recolhidos durante audiências e serem proibidos de gravar audiências públicas e outros atos administrativos nas Organizações Militares.
As denúncias já haviam chegado ao Comandante da Força Naval, Marcos Sampaio Olsen, por meio de ofício encaminhado pela DPU (Defensoria Pública da União) no dia 8 de janeiro, mas ganharam desdobramentos dramáticos com a prisão em flagrante do advogado Adriano Rocha por volta das 18 horas desta segunda-feira, 14 de janeiro, no 1º Distrito Naval do Rio de Janeiro.
Rocha tentou filmar o momento em que protocolava um documento para fins de registro quando foi advertido por militares da Marinha de que não poderia fazer filmagens no interior da Organização Militar devido à ordem interna que proíbe uso de aparelhos eletrônicos na Força Naval desde 2019.
Ao se negar a parar de usar o celular, o advogado foi preso em flagrante pelos supostos crimes de fotografia e filmagem de quartel (artigo 147 do Código Penal Militar) e desobediência à ordem legal de autoridade militar (artigo 301).
Nesta terça-feira, 15 de janeiro, após audiência de custódia conduzida pelo juiz federal da Justiça Militar Claudio Amin Miguel, o advogado conseguiu liberdade provisória.
Quando questionado pelo juiz sobre o que aconteceu durante o tempo em que foi detido, Rocha disse que teve alguns dissabores a partir do momento em que recebeu voz de prisão dos militares.
“Passei por algumas situações nas quais me senti extremamente humilhado e tive alguns direitos cerceados”.
O advogado afirmou que ficou trancado numa sala por aproximadamente 2 horas sem que pudesse contatar seus advogados, a Comissão de Prerrogativas da OAB-RJ (Ordem dos Advogados do Brasil seccional Rio) ou quaisquer outras pessoas.
“Queriam reter meu aparelho celular e eu não permiti que eles me tocassem. Eram alguns militares e eu disse: Não, vocês não vão me tocar. Pedi que chamassem a OAB, chamassem as Prerrogativas, para que meu direito fosse salvaguardado”.
Perguntado pelo juiz se o pedido foi atendido pelos militares, o advogado afirmou que, apesar da demora, foi permitido que ele usasse um celular para fazer contato. Ele também negou que tenha sofrido lesão física.
“Lesão física eu não tive. Fiquei um pouco abalado psicologicamente”.
O MPM (Ministério Público Militar) votou pela concessão da liberdade provisória do advogado e afirmou que os desdobramentos da prisão, como o mérito e a tipificação dos supostos crimes, serão devidamente analisados pela promotora natural do caso.
O juiz acompanhou a manifestação do Ministério Público e também entendeu que não haviam requisitos que justificassem a prisão de Adriano Rocha, determinando imediatamente a soltura do advogado.
Impedir que um ato administrativo seja registrado possibilita o arbítrio
No ofício enviado a Olsen, a DPU pede informações sobre eventuais violações das prerrogativas da advocacia. O prazo dado ao Almirante, segundo nota divulgada no próprio site da Defensoria, é de 15 dias.
“A DPU questiona se o comando da Marinha está ciente da situação e se as denúncias vêm sendo apuradas internamente. A instituição também quer saber quais medidas estão sendo adotadas para coibir abusos e violações às prerrogativas da advocacia”.
Ainda segundo a DPU, representações que denunciam as medidas da Marinha já foram apresentadas ao Conselho Federal da OAB.
Segundo o defensor regional de direitos humanos no Rio de Janeiro, Thales Arcoverde Treiger, cabe à DPU velar pelo devido processo legal e administrativo.
“A violação de prerrogativas da advocacia leva ao recrudescimento dos inquéritos e procedimentos administrativos que, de alguma forma, minoram o contraditório e a ampla defesa. O devido processo não pode ser minorado em hipótese alguma já que, como a própria Constituição afirma, a defesa deve ter caráter amplo. Impedir que um ato administrativo seja registrado possibilita o arbítrio”.