A geopolítica do Oriente Médio tem sido marcada por décadas de conflitos, disputas territoriais e interesses estratégicos divergentes. No entanto, um novo panorama começa a emergir, impulsionado por pragmatismo e cooperação. Enquanto a região ainda enfrenta desafios significativos, as lideranças locais demonstram uma crescente disposição para focar no desenvolvimento econômico e na estabilidade regional.
Nos últimos anos, tentativas de reconfigurar o Oriente Médio resultaram em fracassos sucessivos e embates sangrentos. Mas a resposta recente dos países da região a eventos críticos indica uma mudança importante. Mesmo com as tensões entre Irã e Israel, os governos do Oriente Médio parecem reconhecer que um ambiente de hostilidade permanente já não se encaixa em suas estratégias nacionais. Essa mudança, embora gradual, está dando forma a um novo equilíbrio de poder e redefinindo as alianças regionais.
Transformações lentas, mas inevitáveis
Embora essa mudança de postura seja evidente, o caminho para a estabilidade ainda é longo. Conflitos como o do Sudão exemplificam como determinadas áreas do mundo árabe continuam sendo utilizadas como campos de disputa entre potências regionais, muitas vezes em detrimento da soberania nacional e da segurança da população. Além disso, a presença de grupos armados e interesses externos mantém instabilidades em países como Síria, Líbano, Iraque, Palestina, Iêmen, Líbia e Tunísia.
A influência de Tel Aviv e Teerã segue sendo uma variável central na geopolítica do Oriente Médio. Ambos os países continuam instrumentalizando territórios estratégicos para expandir sua presença na região. Paralelamente, os Emirados Árabes Unidos adotam uma política agressiva contra qualquer avanço democrático, temendo o crescimento de grupos islamistas que possam desafiar seu regime.
Ainda que essas dinâmicas não mudem de forma abrupta, eventos recentes indicam um movimento significativo em direção à cooperação. O fim do bloqueio ao Catar, a reaproximação entre os países do Golfo e o regime sírio, o cessar-fogo no Iêmen entre a coalizão saudita e os houthis e o acordo diplomático mediado pela China entre Irã e Arábia Saudita são indícios claros dessa transformação. A busca por estabilidade econômica e a redução de conflitos tornaram-se prioridades, especialmente após as revoltas da Primavera Árabe, que expuseram a insatisfação popular com a falta de oportunidades e liberdades individuais.
Pragmatismo ganha espaço mesmo em meio a tensões
Apesar das contradições e desafios, esses movimentos representam uma ruptura com o passado. Durante a Primavera Árabe, os regimes autocráticos da região recorreram a medidas extremas para conter ameaças ao seu poder. Hoje, a abordagem parece ser diferente: ao invés de se prender a políticas ineficazes de confronto, os líderes adotam um pragmatismo estratégico para evitar crises prolongadas.
Os ataques do Hamas em 7 de outubro reforçaram essa mudança de mentalidade. A ofensiva e a resposta israelense levaram muitos especialistas a preverem um conflito regional de grande escala. No passado, essas projeções tinham maior probabilidade de se concretizar, devido à desconfiança mútua entre os governos do Oriente Médio. No entanto, embora as tensões entre Irã e Israel tenham escalado, o conflito permaneceu abaixo das expectativas mais pessimistas. Esse cenário reflete um realinhamento estratégico: em vez de seguir políticas de soma zero, os líderes da região optam por soluções que previnem um colapso generalizado.
Essa tendência ficou evidente na conversa telefônica entre Mohammed bin Salman, príncipe herdeiro da Arábia Saudita, e o ex-presidente iraniano Ebrahim Raisi. Esse contato marcou o primeiro diálogo oficial entre os dois líderes desde a reaproximação diplomática entre os países, tendo como foco evitar uma escalada maior no conflito e estabilizar a situação regional. Além disso, tanto a Arábia Saudita quanto o Irã participaram ativamente de cúpulas da Organização para a Cooperação Islâmica (OIC), reforçando um discurso de união em torno da crise em Gaza.
Cooperação além da questão Palestina
Embora a causa palestina tenha se tornado um ponto de convergência temporária para os países do Oriente Médio, a cooperação regional vai além da tentativa de evitar um conflito generalizado. O avanço de iniciativas diplomáticas e econômicas indica um novo foco em estabilidade e crescimento, reforçando a importância da geopolítica na definição dessas alianças.
Na Síria, por exemplo, há um crescente interesse em garantir uma transição política estável, afastando-se do controle absoluto do Partido Baath. Os países do Golfo vêm pressionando pela reconstrução do país e pelo alívio das sanções internacionais que dificultam sua recuperação econômica. Além disso, mesmo adversários históricos, como Turquia e Catar de um lado, e Arábia Saudita do outro, estão alinhados na necessidade de apoiar Damasco. Essa nova abordagem contrasta com a postura mais cautelosa do passado, quando os países do Golfo viam a influência turca na região com desconfiança, destacando as mudanças na dinâmica geopolítica.
A cooperação militar também reflete essa nova lógica pragmática. A Turquia tem estreitado laços com a Arábia Saudita e os Emirados Árabes Unidos, assinando acordos estratégicos tanto no setor econômico quanto no militar. Enquanto Ancara recebe investimentos dos países do Golfo para fortalecer sua economia, os estados árabes aproveitam o desenvolvimento do setor de defesa turco para adquirir novas tecnologias militares. Esse realinhamento demonstra como a geopolítica influencia as decisões estratégicas, especialmente devido às restrições impostas pelos Estados Unidos sob o governo Biden, que limitaram a venda de armamentos para algumas nações da região.
Curiosamente, essa aliança era impensável há alguns anos. A Turquia, com sua política de expansão da influência regional e apoio a grupos islamistas, foi vista como uma ameaça pelas monarquias árabes. O bloqueio ao Catar, promovido por Arábia Saudita, Emirados Árabes e Bahrein, tinha como um de seus objetivos isolar Ancara e conter seu avanço. Hoje, no entanto, esses mesmos países trabalham juntos para alcançar objetivos comuns, deixando as rivalidades do passado em segundo plano e evidenciando a constante reconfiguração da geopolítica no Oriente Médio.
O futuro ainda é incerto
Apesar dessa guinada pragmática, o Oriente Médio ainda está longe de alcançar uma estabilidade plena. Muitas contradições permanecem e nenhuma nação da região está completamente alinhada com outra. Mesmo aliados próximos, como Arábia Saudita e Emirados Árabes Unidos, competem ferozmente por influência econômica e diplomática. A rivalidade entre Riad e Teerã, por sua vez, não foi completamente superada, e a Turquia continua sendo acusada de tentar ressuscitar seu papel expansionista na região, especialmente agora que fortalece sua relação com a nova liderança síria.
Além das disputas geopolíticas, a região enfrenta desafios estruturais profundos. O subdesenvolvimento persiste em muitos países, enquanto grupos extremistas e milícias armadas seguem atuando ativamente. Além disso, o risco de uma escalada militar, incluindo uma possível corrida armamentista nuclear, continua sendo uma ameaça real. Paralelamente, regimes autoritários seguem dominando a política regional, tornando a democratização uma perspectiva cada vez mais distante.
Contudo, ao observarmos os desdobramentos atuais com uma visão ampla, torna-se evidente que os líderes do Oriente Médio estão diante de uma encruzilhada. Eles podem continuar promovendo cooperação, investimentos e diplomacia para moldar um futuro mais estável e economicamente próspero. Ou, por outro lado, podem permitir que rivalidades históricas e disputas geopolíticas arrastem a região de volta a um ciclo interminável de conflitos.
Conclusão: a Geopolítica do Oriente Médio está de fato mudando?
A resposta não é simples. Embora a geopolítica do Oriente Médio continue sendo desafiadora, os últimos anos revelam um movimento consistente em direção ao pragmatismo e à cooperação econômica. Mesmo que os conflitos e rivalidades ainda existam, a abordagem das lideranças regionais mostra que um novo caminho está sendo trilhado.
Se essa mudança será permanente ou apenas uma fase transitória, o tempo dirá. No entanto, uma coisa é certa: o futuro do Oriente Médio dependerá da capacidade dos seus líderes de equilibrar interesses nacionais, rivalidades históricas e a necessidade de crescimento econômico. Afinal, o destino da região nunca esteve tão diretamente em suas mãos.