Nunca, desde o início da invasão militar russa na Ucrânia, Vladislav Surkov deu uma entrevista política. Nem fez o menor comentário público sobre a guerra que está devastando o coração da Europa. O homem, que a imprensa europeia designa como “a figura mais misteriosa da Rússia“, permaneceu em silêncio. Entretanto, o russo que “fez” Vladimir Putin, o conselheiro obscuro que inspirou o romancista Giuliano da Empoli a escrever “O mago do Kremlin“, tem muito a dizer sobre a Rússia e o homem que a dirige.
Segundo a revista francesa L’Express – veículo de escol para o qual trabalharam Jean Paul Sartre e André Maurois – demorou algum tempo para que o entrevistador se aproximasse do russo, e o convencesse a conceder a rara entrevista.
Surkov: o arquiteto do peculiar sistema político russo
Este político, que pode ser considerado o “arquiteto” do sistema político russo, distanciou-se do homem a quem serviu por duas décadas, Vladimir Putin. Ninguém sabe o que Sourkov está fazendo hoje. Na entrevista que deu ao L’Express, ele evitou a pergunta.
A revista francesa alegou ser imperativo necessário e histórico dedicar uma capa do L’Express ao homem que considera a Ucrânia uma “entidade política artificial” que só pode ser tomada “pela força“. Surkov deu essa declaração numa entrevista ao canal russo do Telegram WarGonzo alguns meses antes do início da guerra.
Dar a palavra ao mago do Kremlin significa, de certa forma, entrar na cabeça de Vladimir Putin. Embora ele não esteja mais no poder, Surkov não dominou menos todo o funcionamento do putinismo.
E é assim que esta entrevista deve ser entendida: um documento raro que nos mostra como o poder russo, num momento de alta tensão internacional, persegue sua agenda e pensa a longo prazo, muito longe do errático Donald Trump.
Alguns dos principais pontos do artigo são sintetizados a seguir. A entrevista completa pode ser lida no site da revista francesa L’Express.
Expansão territorial e geopolítica russas segundo Vladislav Surkov
Surkov afirma que a Rússia está destinada a expandir seu território e influência “em todas as direções, até onde Deus permitir”.
A declaração reflete uma visão imperialista e messiânica da Rússia, sugerindo que o país não apenas busca recuperar territórios perdidos após a dissolução da União Soviética, mas também expandir sua esfera de influência para além de suas fronteiras atuais.
Ele argumenta que essa expansão é inevitável, além de ser parte da identidade histórica e cultural russa.
Narrativa messiânica e identidade russa
Vladislav Surkov defende que a Rússia tem uma missão única no mundo, moldada por séculos de história e conflitos. Ele descreve o país como uma civilização distinta, que não se encaixa nos moldes ocidentais de democracia ou valores.
Para ele, a Rússia é guiada por princípios espirituais e culturais que transcendem as convenções políticas modernas.
Essa narrativa messiânica serve para justificar tanto ações internas quanto externas, incluindo intervenções militares e anexações territoriais.
Crítica ao ocidente
Surkov critica duramente o Ocidente, acusando-o de tentar impor seus valores e sistemas políticos à Rússia.
Ele vê as sanções econômicas e o isolamento internacional como estratégias fracassadas para conter Moscou.
Em vez disso, argumenta que essas pressões apenas fortaleceram a resiliência e o nacionalismo dentro da Rússia, unindo o povo em torno de seu líder e de sua visão de grandeza nacional.
A Guerra na Ucrânia: a perspectiva de Surkov
Vladislav Surkov considera o conflito como parte de um esforço maior para restaurar a influência russa na região.
Ele sugere que a Ucrânia é vista pelo Kremlin como parte integrante da esfera de influência russa e que qualquer tentativa de aproximação com o Ocidente é uma ameaça existencial para Moscou.
O futuro da Rússia
Surkov expressa otimismo sobre o futuro da Rússia, apesar das dificuldades econômicas e geopolíticas.
Ele acredita que o país está num momento de transformação profunda, em que o modelo político atual – frequentemente descrito como “democracia soberana” – continuará a evoluir.
Esse modelo combina elementos autoritários com mecanismos formais de democracia, criando um sistema único que, segundo ele, é adequado às necessidades da Rússia.
Vladislav Surkov e o puro suco da Rússia
A entrevista com Vladislav Surkov revela uma visão ambiciosa e expansionista da Rússia, fundamentada em uma mistura de nacionalismo, messianismo e pragmatismo político.
Ele apresenta a expansão territorial e a resistência ao Ocidente como partes inevitáveis da trajetória russa, reforçando a ideia de que o país está em uma missão histórica para reconquistar sua grandeza global.
Essa perspectiva reflete não apenas a visão de Surkov, mas também a narrativa oficial promovida pelo Kremlin sob a liderança de Vladimir Putin.