A militarização crescente da Alemanha é algo a que se deve prestar bastante atenção. Tendo em vista o papel exercido pelo país nas dois últimos confrontos mundiais – como a máquina de guerra mais poderosa do planeta – qualquer movimento que indique o despertar do belicismo germânico acende um alerta global. O Exército alemão, a Bundeswehr, está passando por uma transformação importante enquanto se prepara para o que seu general mais antigo descreve como uma ameaça urgente e crescente da Rússia.
Décadas de subfinanciamento e sentimentos pacifistas enraizados na história da Alemanha estão sendo desafiados pelas realidades da geopolítica moderna, especialmente desde a invasão em larga escala da Ucrânia pela Rússia.
Os exercícios militares perto da pequena cidade de Munster tornaram-se tão rotineiros que os moradores mal notam as explosões. No entanto, a vida lá — e em toda a Alemanha — está prestes a ficar cada vez mais ruidosa.
Ameaça russa: por que Putin preocupa Berlim?
O parlamento aprovou recentemente uma isenção histórica para gastos com defesa das regras estritas de dívida, permitindo que a Bundeswehr tenha acesso a financiamento potencialmente ilimitado.
Esse movimento reflete a gravidade da situação, de acordo com o general Carsten Breuer, que alerta que a OTAN deve se preparar para um possível ataque russo dentro de quatro anos.
“Estamos ameaçados pela Rússia. Estamos ameaçados por Putin“, disse Breuer à BBC de forma direta.
“Não é sobre quanto tempo eu preciso; é sobre quanto tempo Putin nos dá.” O militar enfatizou a importância da prontidão contra táticas de guerra híbrida — ataques cibernéticos, sabotagem e drones — que desfocam as linhas entre paz e conflito.
Ao contrário das nações ocidentais, a Rússia opera em um continuum, escalando tensões à vontade antes de recuar temporariamente.
Zeitenwende: a grande virada na política de Defesa Alemã
A mudança começou com a declaração do Chanceler Olaf Scholz de uma “Zeitenwende” (ponto de virada) em fevereiro de 2022, comprometendo €100 bilhões ($108 bilhões) para fortalecer o exército.
No entanto, Breuer insiste que isso foi insuficiente. “Tapamos alguns buracos, mas está realmente ruim“, ele disse, apontando para carências crônicas de munição, soldados e até infraestrutura básica como alojamentos.
Um relatório parlamentar recente ecoou essas preocupações, estimando custos de renovação em €67 bilhões.
Fim do pacifismo: os alemães estão mudando sua mentalidade
A mudança marca uma alteração dramática na identidade pós-guerra da Alemanha. Durante décadas, os alemães abraçaram o pacifismo, temendo o militarismo devido ao papel de sua nação em duas guerras mundiais.
Mas, pensamentos e atitudes estão mudando. Charlotte Kreft, de 18 anos, explicou: “por muito tempo, pensamos que a desmilitarização era a única maneira de compensar atrocidades passadas… Agora percebemos que precisamos lutar por nossos valores — democracia e liberdade.“
Esse novo pragmatismo se estende além das gerações mais jovens. Sophie, uma jovem mãe, vê o investimento em defesa como necessário, mas permanece hesitante sobre alistar seu filho.
Enquanto isso, Ludwig Stein reconhece certa inquietação persistente entre alguns alemães sobre grandes despesas militares, mas acredita que os eventos atuais não deixam outra opção.
Obstáculos à militarização da Alemanha: Exército busca novos soldados
Apesar do aumento da conscientização, o recrutamento, algo que se poderia chamar de militarização da Alemanha, continua sendo um desafio. A Bundeswehr opera apenas um centro de recrutamento permanente em Berlim, atraindo poucos visitantes diariamente.
Os esforços para aumentar o número de tropas ficaram aquém da meta de 203.000 soldados. O general Breuer argumenta que o alistamento pode ser essencial para atingir sua meta de adicionar 100.000 tropas, elevando o total de forças — incluindo reservas — para 460.000.
Sua abordagem proativa inclui engajar comunidades por meio de assembleias municipais, onde ele faz uma pergunta provocativa: “Vocês estão prontos para a guerra?” Quando confrontado por uma mulher que o acusava de espalhar medo, ele respondeu: “não sou eu assustando você; é o outro cara,” referindo-se a Vladimir Putin.
Guerra híbrida: a estratégia russa que assusta a Europa
Pesquisas refletem preocupação crescente com ameaças globais. Uma pesquisa do YouGov descobriu que 79% dos alemães veem Putin como uma ameaça à paz europeia, enquanto 74% sentem o mesmo sobre o ex-presidente dos EUA, Donald Trump.
Comentários do vice-presidente republicano JD Vance minaram ainda mais a confiança na proteção americana, levando os alemães a reconsiderar a dependência de aliados.
Enquanto a Alemanha navega nesse cenário complexo, sua cautela tradicional em relação ao militarismo está dando lugar ao realismo.
Seja por meio de gastos aumentados, alistamento renovado ou ambos, o país está sinalizando uma mudança em relação à sua aversão histórica ao poderio militar.
Com advertências de agressão russa pairando no horizonte e incertezas sobre compromissos americanos, a Alemanha parece determinada a se adaptar rapidamente para garantir seu futuro.
Nas palavras do general Breuer: “Agora é compreensível para cada um de nós que precisamos mudar.”