Nos bastidores da indústria militar mais poderosa do planeta, uma silenciosa admissão de fracasso expôs um problema muito maior do que o cancelamento de um simples veículo blindado.
O fim do programa M10 Booker, anunciado discretamente pelo Exército dos Estados Unidos, revela uma profunda crise de planejamento, logística e doutrina militar.
Apresentado como a resposta ideal para operações rápidas e apoio à infantaria leve, o M10 não apenas falhou em seu propósito estratégico, ele literalmente afundou as pontes por onde passou.
Ao invés de se tornar o “tanque leve do futuro”, o M10 Booker se transformou em um pesado fardo de 42 toneladas, capaz de destruir estruturas militares americanas e devorar bilhões de dólares em um projeto que nunca saiu das planilhas de PowerPoint para o campo de batalha real.
A proposta que virou pesadelo
Segundo informações do portal “Plano Brazil“, o M10 Booker foi lançado em 2015 como parte do programa Mobile Protected Firepower (MPF), com a missão de equipar as brigadas de infantaria dos Estados Unidos com um blindado leve, ágil e letal, capaz de fornecer suporte de fogo direto contra posições entrincheiradas, fortificações e veículos leves inimigos.
A ideia era preencher a lacuna deixada por projetos anteriores fracassados, como o M551 Sheridan e o Future Combat Systems, e entregar algo revolucionário: um tanque transportável por aviões C-130 Hercules, pronto para combate em qualquer terreno e a qualquer hora.
Mas a realidade foi muito diferente.
Tanque leve? Só no papel
O M10 Booker chegou ao fim do desenvolvimento com o dobro do peso previsto originalmente, tornando-se incompatível com o transporte tático por aeronaves leves.
Com 42 toneladas, o blindado exigia aviões como o C-17 Globemaster III para ser deslocado, limitando sua utilidade em operações de surpresa ou em locais com infraestrutura precária.
Pior: as novas restrições de carga do próprio C-17 só permitiam levar uma unidade do M10 por voo, o que comprometeu qualquer chance de envio em massa para frentes de combate ativas.
Um blindado que destruiu pontes…dos próprios EUA
O fracasso ganhou contornos quase cômicos (e trágicos) durante testes em Fort Campbell, lar de unidades de elite do Exército americano.
O peso excessivo do M10 causou o colapso parcial ou total de oito das onze pontes da base, segundo engenheiros militares.
Projetadas ainda na era da Guerra Fria, essas estruturas simplesmente não aguentaram a carga do blindado.
Duas pontes desabaram completamente, bloqueando áreas cruciais de acesso à base.
A modernização dessas estruturas exigiria um investimento milionário e anos de obras, o que tornaria o projeto ainda mais inviável.
E tudo isso em um programa já avaliado em US$ 1,14 bilhão, com cada unidade do M10 custando quase US$ 14 milhões.
Outras bases importantes, como Fort Bragg, Fort Carson e Fort Johnson, também relataram problemas para operar com o blindado.
O veículo foi projetado para terrenos austeros, mas falhou justamente em se adaptar à própria infraestrutura americana.
Crescimento descontrolado: o “Frankenstein militar”
Um dos maiores problemas do M10 Booker foi o fenômeno conhecido como “requirements creep”, comum em projetos militares.
À medida que novas exigências surgiam — como mais blindagem, sensores e eletrônicos — o veículo se tornava mais pesado, complexo e caro, afastando-se cada vez mais de sua proposta original.
Alex Miller, CTO do Exército dos EUA, resumiu bem o impasse: “O Booker se tornou uma plataforma em busca de uma guerra, um conceito em busca de doutrina e uma solução em busca de um problema.”
Sem foco, sem clareza operacional e tentando agradar a todos, desde militares de alto escalão até contratantes e políticos, o M10 acabou servindo como exemplo do que não fazer em uma aquisição militar.
Tecnologia não foi suficiente
Apesar dos inúmeros problemas, o M10 Booker impressionava no papel.
Com um canhão principal de 105 mm compatível com munições da OTAN, carregador semiautomático, metralhadoras de 7,62 mm e .50, blindagem modular e motor diesel de 800 cv, ele prometia mobilidade e poder de fogo.
A suspensão hidropneumática, sensores térmicos, telêmetro a laser e integração digital em rede garantiam boa performance técnica. Mas nada disso adiantou diante da incapacidade de cumprir a missão principal: estar presente rapidamente em ambientes de combate onde a infantaria precisa de blindagem leve.
O resultado foi um tanque obsoleto antes mesmo de ser adotado oficialmente.
Outros países acertaram onde os EUA erraram
Enquanto os EUA erraram ao criar um tanque pesado com cara de leve, outras nações adotaram abordagens mais eficazes.
A França utiliza o AMX-10RC, veículo sobre rodas ágil e adaptado para reconhecimento pesado.
A Rússia desenvolveu blindados modulares como o Bumerang e o Kurganets-25, versáteis e facilmente adaptáveis.
Já a China aposta em veículos como o ZTQ-15, voltado para ambientes montanhosos e tropicais — exatamente os cenários que o M10 deveria dominar.
O fracasso do Booker escancarou a defasagem doutrinária dos Estados Unidos frente a seus adversários e até aliados.
Reforma estrutural e nova doutrina militar
O cancelamento do M10 Booker não foi um episódio isolado.
Ele faz parte de uma reforma maior, liderada pelo Secretário de Defesa Pete Hegseth, que busca modernizar as Forças Armadas com foco em agilidade, modularidade, digitalização e interoperabilidade.
Entre as prioridades estão sistemas não tripulados, veículos autônomos, disparos de longo alcance e plataformas mais leves, que possam sobreviver em combates multidomínio.
O M10, apesar de tecnológico, não se encaixava nesse futuro, e sua queda, literal e figurada, pode ser o marco de um novo ciclo nas aquisições militares dos Estados Unidos.