Escravo valia mais que casa: estudo revela quanto custaria um escravizado hoje
Um único escravo no Brasil, ou escravizado, em termos atuais, em meados do século XIX, podia custar mais do que uma casa. Isso é o que revela um levantamento da Revista Sociedade Militar, que buscou estimar quanto esse valor representaria em dinheiro atual. O resultado impressiona.
O estudo se baseia em comparações com o preço do café e do ouro, dois dos principais indicadores de valor da época. Em 1850, a Lei Eusébio de Queirós pôs término definitivo ao tráfico, o que fez com que o valor do escravo mais do que dobrasse nas décadas seguintes. Em torno dessa data, contudo,a maior parte das pesquisas que fizemos sugerem que o valor de um escravo girava em torno de 1 milhão de réis, ou 1 conto de réis.
Esse valor era praticamente inacessível à maioria dos brasileiros, o que mostra o caráter profundamente elitista e econômico do sistema escravocrata.
Café: a commodity que ajudou a estimar o passado
O cálculo começa com a cotação do café, principal produto de exportação do Brasil escravocrata. Em 1850, uma saca custava cerca de 12 mil réis — o que equivalia a 3 mil réis por arroba. Em 2024, essa mesma arroba era vendida por aproximadamente R$1.500,00.
A proporção sugerida pelo estudo é direta: 3.000 réis = R$1.500. Ou seja, cada real equivaleria a cerca de 2 réis. Aplicando isso ao preço médio de um escravizado (1 milhão de réis), o resultado é direto: R$500 mil.
Ouro confirma: valor se mantém altíssimo
Para confirmar a estimativa, a análise também usou como referência o preço do ouro. O site Genealogia Historia informa que 1kg de ouro na época custava 1 milhão de réis. Como em 2024, o grama do ouro girava em torno de R$480, o valor atual equivalente seria de R$480 mil — muito próximo ao encontrado com base no café.
31 anos de salário mínimo
Para o trabalhador brasileiro que ganha um salário mínimo (R$1.320,00 por mês em 2024), o valor de R$500 mil representa mais de 378 meses de trabalho. Ou seja, mais de 31 anos sem gastar um centavo.
É desconcertante perceber que, mesmo com todos os direitos garantidos por lei, o trabalhador assalariado brasileiro custa hoje menos do que um escravo custava no século XIX. O valor estimado de R$ 500 mil por um escravo no Brasil equivaleria a mais de três décadas de salário mínimo. Trata-se de um número que poucos trabalhadores acumulam em toda a vida, principalmente em empregos informais. E a provocação é inevitável: se antes o escravizado era um “investimento de alto custo” para o senhor, hoje o trabalhador é uma peça substituível, mais barata, mais durável e com manutenção mínima dentro da lógica fria do mercado.
A crueldade não está mais nos açoites nem nas correntes, mas na aparente indiferença diante da desvalorização do trabalho humano. Enquanto um escravo vivia, em média, menos de 20 anos após ser comprado, o trabalhador moderno pode produzir por 30, 40 anos. No entanto, o mesmo trabalhador recebe menos do que aquilo que se pagava por um ser humano em 1850. A escravidão mudou de forma, mas o desprezo pelo trabalhador continua vivo, apenas adaptado às normas da legalidade moderna. Afinal, hoje, exploram-se décadas de força de trabalho sem nunca pagar o que um senhor de engenho pagava por um único corpo.
Reflexão Final
Essas comparações com o café e o ouro realçam a brutalidade econômica do sistema escravista. Em 1850, o valor de um escravo no Brasil era próximo ao valor de patrimônio elevado. Assim, os proprietários o viam como um investimento que esperavam explorar intensamente ao longo da vida curta da pessoa escravizada. Com o salário mínimo de hoje, um trabalhador levaria quase 32 anos para reunir essa quantia, o que destaca a exploração desumana do trabalho e a ausência de direitos. Essas análises servem como um lembrete histórico da importância da valorização do trabalho, da dignidade e dos direitos adquiridos ao longo dos séculos.