O juiz de Direito Alexandre Abraão Dias Teixeira fez um diagnóstico contundente da segurança pública no Rio de Janeiro durante palestra recente. Com mais de 700 sessões no Tribunal do Júri ao longo de três décadas de atuação, em evento na Escola Superior de Advocacia ocorrido em 21 de maio, o magistrado afirmou que o estado vive uma tragédia continuada e que apenas um choque institucional poderia provocar uma mudança real.
“Vocês precisam de um 11 de setembro de vocês”, disse a ele um amigo policial norte-americano, relembrou o magistrado. Segundo conta, após os ataques de 2001, os americanos entenderam que foi a falha na comunicação entre agências que permitiu a tragédia: “Depois do 11 de setembro, 963 agências americanas se integraram… começaram a perceber que todas as tragédias que estavam acontecendo nos Estados Unidos estavam acontecendo por causa de vaidade das agências.
O FBI não falava com a CIA, que não falava com a TF, que discriminava o DEA, que não falava com a polícia local, que não falava com o bombeiro…”.
O juiz afirmou que levou essa lição para sua atuação no sistema de justiça. “Eu levei aquilo para mim… talvez nós precisássemos desse 11 de setembro, mas nesse conta-gotas nós não vamos.”
Segundo Alexandre Abraão, o fuzil virou parte da imagem do Rio de Janeiro
Alexandre Abraão fez uma retrospectiva da degradação da segurança pública no estado e destacou que a violência foi naturalizada. “O Rio de Janeiro é o amplificador de tudo de ruim que acontece no país… Tivemos a primeira facção criminosa, tivemos o primeiro fuzil. Hoje o fuzil integra a imagem do Rio de Janeiro… e o pior de tudo é que nós nos acostumamos com o que é ruim.”
O magistrado relatou que o armamento pesado virou elemento comum até no imaginário turístico: “Você fala do Rio de Janeiro para todo mundo: é o Cristo Redentor, o Pão de Açúcar, Copacabana… e o fuzil.”
Drones e granadas: a guerra tecnológica no crime
O juiz revelou um avanço muito preocupante nas táticas do crime organizado: o uso de drones para lançar granadas sobre equipes de policiais. “Estão quebrando a garrafa de Heineken pela metade, colocam a granada, tiram o pino e deixam a manete, prendem no drone… o drone vai, chega em cima do local que eles querem, eles largam a garrafa, cai, quebra, a granada tá sem o pino, e detona, e mata. Ataque aéreo de drone… e eles estão aprimorando isso.”

Facções brasileiras treinam na Ucrânia
Em uma revelação inédita, Alexandre Abraão afirmou que criminosos brasileiros estão na Ucrânia participando do conflito, com o objetivo de adquirir técnicas de combate. “A polícia já constatou aqui integrantes do crime organizado brasileiro que estão na Ucrânia engajados lá… mas para aprender. Então nós vamos viver problemas gravíssimos aqui.”
A origem: falange vermelha, ostentação e ideologia
O juiz também apontou a criação da falange vermelha como ponto de inflexão histórica. “O primeiro problema que nós tivemos aqui foi a criação do Comando Vermelho… o marco histórico para mim é a construção ou a criação do que se convencionou chamar Falange Vermelha…”
Segundo ele, o Comando Vermelho construiu uma ideologia violenta, distinta da estratégia discreta do PCC. “Enquanto o PCC busca discrição constantemente, o Comando Vermelho busca a ostentação… aquilo que o professor Mário Sérgio chama de ideologia de facção.”
Ele recomendou a leitura de letras de funk como evidência dessa ideologia. “Ali você encontra o culto ao ódio, o culto à destruição, o culto à ostentação, ao sexo deplorável, a tudo de ruim que existe.”
Milícias: esquadrões da morte reembalados
Abraão afirmou que a ascensão das milícias foi a resposta social à ausência do Estado e ao medo cotidiano: “A sociedade prefere a milícia ao tráfico porque a milícia era mais cortês, mais sutil, menos violenta… era para reprimis o que a sociedade queria se ver livre… ”
Contudo, segundo ele, o mesmo esquadrão de extermínio se reorganizou com métodos empresariais: “As milícias são nada mais, nada menos do que o esquadrão da morte com uma nova roupagem.”
A lógica da vitrine e a falsa pacificação
A escolha política por operações de impacto midiático foi muito criticada. “… ninguém é bobo o suficiente pra acreditar que todos os dias uma equipe da PM, a guarnição da PM, sobe o complexo do alemão sem blindado sem nada vai para um posto lá no alto do teleférico passa a noite lá e volta no dia seguinte Quando no no dia o no mesmo dia o batalhão de choque entra com troca de tiro e gente morta… pacto que infelizmente a política pratica com qualquer tipo de facção criminosa. Essa é a corrupção do nosso sistema por ação ou por omissão.”
Criminalidade com modelo empresarial
Sobre a Rocinha, o juiz afirmou que a favela se tornou centro de arrecadação milionária para o crime. “300 mil por semana, só com o motoboy… A Rocinha deve gerar por mês R$ 15 milhões no barato, limpo, no bolso, porcamente, porque a gente não tem esse controle.”
Ele acrescentou: “O nosso problema já não é mais guerra as drogas O estudo um estudo da Light diz que hoje as drogas para para essas facções representam 11% do ganho …”
Estagnação: “O sistema é ruim”
No trecho mais crítico à estrutura institucional, Alexandre Abraão declarou: “… estamos estagnados fazendo mais do mesmo nas últimas décadas, quiçá séculos.”
Ele afirmou ainda que, apesar das grandes operações, o crime só aumentou seu poder econômico e mencionou “Uma determinada facção”, sobre a qual emitiu mais de 300 mandados de prisão há cinco anos, que tinha um capital de giro de 1 bilhão de reais. Segundo o magistrado, tomou conhecimento de que no momento o capital de giro da facção está em R$ 17 bilhões.
A reconstrução passa por todos
Ao final, o magistrado foi enfático: “Nós vamos precisar do nosso 11 de setembro para alcançarmos as escolhas históricas… a violência no Rio de Janeiro é produto de péssimas decisões políticas e sociais tomadas ao longo de décadas.”
Ele fez um apelo à união institucional: “Nós vamos precisar, todos nós – Ministério Público, Polícia Judiciária, Polícia Militar, Guarda Municipal, SEAP, sociedade – entender que a reestruturação pertence a todos nós… e que não existe mudança sem a união, sem que todos se dispam das vaidades pessoais.”
E concluiu citando o autor Jeffrey Robinson: “Enquanto vivemos num mundo onde uma filosofia de soberania do século XI é reforçada por um modelo judiciário do século XVII, defendido por um conceito de combate ao crime do século XIX, que ainda está tentando chegar a um acordo com a tecnologia do século XX… o século XXI pertencerá aos criminosos.”