Durante sua visita oficial à China, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva se reuniu com o CEO da gigante estatal chinesa Norinco, Cheng Fubo, em um encontro reservado no Hotel Saint Regis, em Pequim. O foco da conversa foi um pacote estratégico que pode redefinir a indústria de defesa do Brasil e influenciar a dinâmica militar na América do Sul.
A Norinco, uma das maiores corporações militares chinesas, busca adquirir a Avibras Aeroespacial e Defesa, assumir a produção de mísseis e foguetes desenvolvidos em São José dos Campos e garantir acesso à Base de Lançamento de Alcântara, no Maranhão. Em troca, segundo o jornalista Roberto Caiafa, do InfoDefensa, a empresa deve realizar investimentos substanciais: quitar dívidas trabalhistas estimadas em R$ 700 milhões, recuperar instalações industriais há anos inoperantes e reestruturar toda a cadeia produtiva.
A Avibras, que já foi um símbolo da indústria bélica nacional, está paralisada há quatro anos, justamente quando finalizava o míssil de cruzeiro AV-MTC, seu projeto mais avançado. O cenário de dívidas e abandono transformou a empresa em um alvo cobiçado. “A maior parte da mão de obra especializada já migrou para outras empresas”, destaca o InfoDefensa.

Foi nesse contexto que a Norinco, mesmo sancionada pelos EUA, viu uma oportunidade para expandir sua presença na região. Durante a LAAD 2025, como destacou a Revista Sociedade Militar, a estatal chinesa apresentou tecnologias inéditas no Ocidente, incluindo drones furtivos BZK-005 e blindados VN-22X, concorrentes diretos dos modelos usados pela OTAN.
Negócio estratégico — e polêmico
A Avibras está paralisada há quase quatro anos, justamente quando concluía o desenvolvimento do seu míssil de cruzeiro AV-MTC, com alcance de 300 km. A estatal chinesa quer transformar a empresa brasileira em sua plataforma industrial na América Latina, consolidando uma posição geoestratégica que extrapola o setor militar. A operação pode incluir, futuramente, a fabricação de armamentos com tecnologias integradas da Norinco, como drones, mísseis de precisão, carros de combate e blindados para o Exército Brasileiro.
O interesse chinês já provocou reações. Desde 2022, a Avibras está em recuperação judicial, e embora outros países — como Arábia Saudita e Austrália — tenham sinalizado interesse, a investida da Norinco é a mais avançada. Reportagem da Revista Sociedade Militar aponta que a visita de cinco representantes chineses à sede da Avibras, em Jacareí, em setembro de 2024, já indicava os planos de aquisição.

O governo federal, por sua vez, tenta encontrar alternativas. O BNDES foi acionado e há discussões sobre uma possível nacionalização da empresa para evitar sua venda a estrangeiros. Porém, até agora, nenhuma solução concreta foi apresentada.
Porta de entrada para a América do Sul
Mais do que a Avibras, a Norinco quer o mercado latino-americano. A empresa apresentou, durante a LAAD Defence & Security 2025, no Rio de Janeiro, uma linha de produtos militares que incluiu drones furtivos, blindados táticos VN-22X, mísseis antitanque Red Arrow, além de sistemas de artilharia e munições guiadas. O estande chinês atraiu olhares de militares do Brasil, Venezuela, Bolívia e Peru.
A ambição da China é clara: oferecer sistemas mais baratos e tecnologicamente competitivos aos países da região, historicamente dependentes de armamentos norte-americanos e europeus. Em caso de sucesso, a Norinco poderá virar fornecedora de viaturas blindadas, sistemas de defesa aérea e até caças de quarta geração — alternativa interessante frente aos atrasos do programa Gripen brasileiro, que entregou apenas oito aviões em dez anos.
Olhos em Alcântara
A cereja do bolo para os chineses seria o acesso à Base de Alcântara. O interesse é parte de uma estratégia maior que envolve empresas do chamado “Novo Espaço” da China, que buscam realizar lançamentos orbitais em latitude equatorial. Com isso, Pequim ganharia uma plataforma privilegiada para disputar o mercado global de satélites comerciais — e com potencial de lucro bilionário.
Para o Brasil, os investimentos chineses poderiam impulsionar o Programa Espacial Brasileiro, hoje sob gestão da empresa estatal Alada, vinculada à Força Aérea e à Agência Espacial Brasileira. Mas críticos alertam: a entrega da base a interesses estrangeiros pode comprometer a soberania tecnológica nacional.

Riscos e alertas
A possível compra da Avibras levanta sérias preocupações no meio militar e político. A empresa é considerada uma “joia da coroa” da defesa brasileira. Seu sistema de foguetes Astros, por exemplo, é utilizado em diversos países e é uma das principais armas de dissuasão do Exército Brasileiro.
Especialistas alertam que a transferência de uma empresa tão estratégica à China pode resultar em perda de empregos qualificados, evasão tecnológica e dependência crescente de insumos e armamentos estrangeiros — cenário que remete à derrocada da Engesa nos anos 1990.
Há também o risco de sanções dos Estados Unidos, que impuseram restrições à Norinco por seus laços com o Exército Popular de Libertação da China. Uma eventual parceria com a empresa pode colocar o Brasil em rota de colisão com Washington em temas sensíveis de segurança internacional.
Próximos passos
Uma delegação da Norinco deve desembarcar no Brasil nos próximos 15 a 20 dias para aprofundar as conversas. Além de defesa, o grupo também estuda investir nos setores de petróleo, gás e mineração.
Enquanto isso, Brasília corre contra o tempo para decidir se aceita — ou resiste — à entrada chinesa no coração de sua indústria de defesa.