“Soldado Ryan Brasileiro”: Conheça Rosa da Fonseca, mãe que viu 6 filhos irem para a guerra com o Exército
O aclamadíssimo filme de Steven Spielberg, “O Resgate do soldado Ryan” é cinema na veia. Trata de sensibilidade, empatia e principalmente heroísmo. E tendo como pano de fundo a guerra mais mortífera já vivida pela humanidade, conjuntura totalmente avessa a qualquer desses sentimentos. Num ambiente de pura brutalidade, em que atos individuais impensados eram recompensados pela morte imediata e os menores movimentos na frente de batalha deveriam ser friamente calculados, só a sétima arte para fazer o público aceitar como razoável que o comando de um exército militar pudesse colocar um grupo em risco para resgatar um só soldado em linhas inimigas.
Ao contrário do ditado popular, a arte é quem imita a vida, mas nem sempre é conveniente e rentável que se faça uma fotocópia rigorosamente fiel. A realidade é bem menos glamourosa, mas agride menos a lógica louca da guerra, que ainda assim — ou exatamente por isso — é tão humana. O argumento que sustenta o enredo do filme é impensável na vida real, mas não é totalmente um delírio cinematográfico. A vida nua e crua das guerras também tem suas emoções mais sublimes. E nem a grande guerra brasileira foi exceção a isso.
No filme de 1998, o capitão John H. Miller, interpretado por Tom Hanks (sua primeira parceria com o diretor de “A Lista de Schindler”) — procura um paraquedista da 101ª Divisão Aerotransportada que teria perdido seus três irmãos em combate. A justificativa para semelhante missão, que vai contra o “espírito” de qualquer guerra, não poderia ser mais hollywoodiana e menos verossímil: ordens superiores determinam que o irmão sobrevivente de uma família de outros três que morreram em combate seja resgatado. A realidade não poderia ser mais prosaica e neste caso guarda pouca semelhança com o filme que custou mais de 70 milhões de dólares.
“O Resgate…” heróico e digno do gênio de Spielberg aconteceu apenas no universo burocrático da guerra, bem longe da pompa e da circunstância bélicas que enveloparam o longa metragem. O livro “Lo que nunca te han contado del Día D”, de Pere Cardona e Manuel P. Villatoro, Editora Principal de los Libros, 408p., 2019 (ainda sem tradução para o português) conta a história por trás da “estória”.
Segundo os autores, que também são historiadores, realmente houve um soldado cujos irmãos morreram na guerra contra o nazifascismo. Os Niland eram quatro irmãos americanos de Tonawanda, no estado de Nova York, todos servindo no Exército dos EUA durante a Segunda Guerra Mundial. O caso é que o Capitão John H. Miller (Tom Hanks) “salvador” desse soldado foi um capelão paraquedista chamado Francis L. Sampson, um padre militar, que, após uma conversa casual com o soldado, sensibilizou-se com a história (triste) do combatente e escreveu uma carta aos seus superiores para que dispensassem o soldado Frederick Niland (inspiração para o soldado Ryan!?) garantindo assim que sua mãe tivesse a alegria de receber pelo menos um dos quatro filhos perdidos para a guerra mais mortal de todos os tempos. Mas, essa tocante saga familiar em terreno estrangeiro não é privilégio dos norte-americanos.
A nossa “guerra das guerras”, conhecida como a Guerra da Tríplice Aliança foi palco de uma tragédia familiar parecida. Porém, a personagem central desse drama foi uma mulher. Por meio da Portaria nº 650, de 10/06/2016, o Exército Brasileiro instituiu o dia 18 de setembro como o dia da Família Militar. Nesse dia, mas em 1802, nasceu a senhora Rosa Maria Paulina da Fonseca, que foi pela mesma Portaria “entronizada” como a patrona da Família Militar. Nascida em Alagoas, Rosa da Fonseca casou-se em 1824 com o major do Exército Imperial Manoel Mendes da Fonseca. Tiveram dez filhos, oito homens e duas mulheres. Desses oito filhos, seis foram lutar na Guerra do Paraguai. Por aqui, o tirano sulamericano era o paraguaio Solano López, que pretendia abrir caminho para o oceano Atlântico rasgando o território brasileiro.
Os filhos combatentes de Rosa da Fonseca foram vitimados nas batalhas mais importantes da guerra. Na batalha de Curuzu, ocorrida em 1866, o filho mais jovem de D. Rosa da Fonseca, Afonso Aurélio de 21 anos de idade, foi morto enquanto patrulhava as muralhas do Forte. Alguns dias depois, na Batalha de Curupaiti, uma das mais sangrentas da guerra, outro filho de D. Rosa, o Capitão de Infantaria Hyppólito, foi morto. Na batalha de Itororó, que foi a primeira batalha ocorrida na Dezembrada, série de batalhas vencidas pela Tríplice Aliança durante a Guerra, em dezembro de 1868, o Major de Infantaria Eduardo Emiliano foi morto, e outros dois filhos de D. Rosa da Fonseca foram gravemente feridos.
Enquanto o Brasil comemorava a vitória na batalha de Itororó, uma das mais decisivas, D. Rosa da Fonseca recebeu a triste notícia: a certeza da morte de alguns de seus filhos e a dúvida dolorosa sobre a vida de outros. Ao receber a notícia, entoou a frase que lhe consagraria mais de cem anos depois como Patrona da Família Militar: “sei o que houve. Talvez até Deodoro esteja morto, mas hoje é dia de gala pela vitória; amanhã, chorarei a morte deles”. Como o leitor já deve ter desconfiado, esse Deodoro, de sobrenome Fonseca, é aquele mesmo que proclamou a República.
Do resgate fictício de um soldado americano e sua inspiração da vida real até a tragédia vivida pela família de um dos homens mais importantes da história brasileira, a guerra e suas atrocidades ainda segue sendo o pior de todos os flagelos da humanidade, exatamente por ser causada pelos próprios homens. Apesar de ser inspiração para obras de arte sublimes, a maior de suas atrocidades começa antes das batalhas, quando as famílias são destroçadas pela separação. O que vem depois é só consequência.
JB Reis / Editado por Revista Sociedade Militar
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