Durante o governo Bolsonaro vários oficiais generais foram pinçados pelo próprio presidente e mesmo estando no serviço ativo passaram a ocupar cargos comissionados no alto escalão do governo. Um exemplo claro disso é o que aconteceu com o general Rêgo Barros, que em um dia era um comandante que tinha debaixo das suas ordens centenas de militares no Exército Brasileiro e no outro passou a atuar politicamente a favor do governo Bolsonaro, trabalhando como porta-voz da presidência da República.
Com o repentino interesse pelos militares das FA surgiram muitos falsos especialistas que se anunciam como conhecedores de regulamentos e costumes militares. Existem alguns que passaram um ano ou pouco mais do que isso como praças ou oficiais – no serviço militar inicial ou como temporários – e agora se autodenominam como veteranos. Com seus canais do YouTube ou perfis em redes sociais levam verdadeiras multidões a crer em afirmações completamente infundadas sobre os possíveis comportamentos dos militares em relação ao momento político extremamente polarizado que se vive no país.
Com a ascensão de Lula a presidência, hoje as Forças Armadas lutam não só contra a perda de prestígio causado por falsas expectativas, mas também contra a perda de direitos. Vários políticos, incluindo o próprio Ministro da Defesa, se apressam para criar ferramentas que na sua visão trariam um freio que possa impedir novas aventuras políticas que prejudiquem as Forças Armadas. O que a mídia não especializada e os próprios políticos pouco familiarizados com regulamentos militares não perceberam é que esses freios na verdade já existem e que os mesmos apenas não foram utilizados durante os últimos anos.
Outro fator extremamente importante nessa discussão é o corporativismo entre oficiais generais, que é muito grande. Então dificilmente você perceberá em público um oficial general ou oficial superior apontando omissões, crimes ou contravenções disciplinares cometidas por outros militares de alta patente.
Freio número 1 – Enquanto ocupando cargos civis de qualquer natureza, cargos na administração pública ou durante campanhas políticas e no exercício do mandatos eletivos, os oficiais das forças armadas não podem utilizar os prenomes general, coronel, Capitão etc.
Existe, no próprio Estatuto dos Militares uma determinação bem Clara para que militares das forças armadas não usem as denominações de seus postos e graduações no exercício de qualquer atividade que não seja estritamente ligada às Forças Armadas. Essa prescrição foi claramente inserida no estatuto dos militares para evitar que as forças armadas fossem usadas como alavanca política ou profissional por militares mal intencionados. A desobediência a essa determinação fere os princípios de ética e tem que ser punida com base nos regulamentos disciplinares.
Entretanto, pelo que se percebe, militares na reserva e na ativa, tanto no serviço público quanto no exercício de várias profissões fazem o possível para atrelar a sua vida civil ao que foram ou são na vida militar.
Não só no governo Bolsonaro, mas também durante governos anteriores essa prescrição deixou de ser observada e por conta do alto status político da cúpula das FA, os comandos não foram cobrados quanto ao cumprimento dessa regra.
Estatuto dos Militares – Da Ética Militar Art. 28. O sentimento do dever, o pundonor militar e o decoro da classe impõem, a cada um dos integrantes das Forças Armadas, conduta moral e profissional irrepreensíveis, com a observância dos seguintes preceitos de ética militar:
XVIII – abster-se, na inatividade, do uso das designações hierárquicas: a) em atividades político-partidárias; b) em atividades comerciais; c) em atividades industriais; d) para discutir ou provocar discussões pela imprensa a respeito de assuntos políticos ou militares, excetuando-se os de natureza exclusivamente técnica, se devidamente autorizado; e e) no exercício de cargo ou função de natureza civil, mesmo que seja da Administração Pública.
Hoje, ao se caminhar pelos corredores da Câmara dos deputados facilmente se encontra Placas de porta de gabinete com as inscrições: deputado general fulano, deputado Capitão sicrano.
Freio número 2 – militares, enquanto estiverem no serviço ativo, são proibidos de se filiarem a partidos políticos. Aqueles que se filiarem devem ser punidos por descumprir a lei e regulamentos disciplinares. As Forças Armadas tem costume de realizar levantamentos periódicos para verificar o cumprimento dessa legislação, mas não se tem conhecimento sobre regras que obriguem os partidos políticos a verificar se o candidato a filiação é um militar da ativa.
Constituição Federal de 1988. Artigo 142, Parágrafo 3º, Inciso V que “o militar, enquanto em serviço ativo, não pode estar filiado a partidos políticos”.
Levando-se em consideração essa proibição, já existente, não há coerência alguma em se discutir uma nova regra no que diz respeito a filiação dos militares a partidos políticos. O que deve-se fazer é exigir o óbvio, exigir que os comandantes das Forças Armadas apenas cumpram a lei e os regulamentos disciplinares, sob pena de prevaricação.
Robson Augusto – Revista Sociedade Militar