Nas Forças Armadas, é previsto em lei, a participação do militar temporário. Para se tornar um militar temporário é necessário percorrer um longo e oneroso caminho, diversas etapas são previstas como: a entrega de documentos, a realização de diversos exames e ainda o Teste Físico.
Ao realizar concurso público ou seleção pública, a Administração Pública deve obedecer a princípios norteadores dos atos administrativos, previstos no Art. 37 da CF/88.O princípio da Razoabilidade será abordado no presente artigo, sob o prisma das decisões judiciais. Com base neste princípio, são questionados quais são os limites para que os candidatos sejam enquadrados como “aptos” ou “incapazes” para o fim a que se destina o certame.
ÍNDICE DE MASSA CORPORAL (IMC) – REVERSÃO DA INAPTIDÃO
Os requisitos para acesso aos cargos públicos devem pautar-se pelo critério da razoabilidade. Não é o caso de se desprezar as particularidades da carreira castrense, mas sim de se sopesar se uma incapacidade baseada no IMC dos candidatos os torna realmente inaptos aos cargos pleiteados.
Apesar da Instrução Interna de Saúde prever os parâmetros de IMC , alguns tribunais entendem que o IMC alto, considerado como obesidade, por si só, não pode ser considerado condição física incapacitante para o exercício de cargo público.
Em sua argumentação, as Forças Armadas, afirmam que antes de ser o profissional daquela especialidade, o candidato é acima de tudo militar e deve estar em plenas condições físicas. Por outro lado, o judiciário entende que as atividades a serem desempenhadas, mesmo que no âmbito castrense, são de caráter eminentemente administrativo e/ou não requeiram grande capacidade física.
Uma Pedagoga, se candidatou ao serviço militar temporário, foi reprovada nos exames médicos em virtude do seu IMC, que estava acima dos parâmetros internos da instituição, a exclusão foi pauta de ação judicial. Em decisão, o Desembargador da 4ª Turma do TRF3, analisou os pedidos de uma candidata conseguiu anular o ato administrativo que a excluiu da seleção:
“Após ter sido aprovada, foi impedida de participar do teste de aptidão física diante da reprovação em exame médico tendo como base o cálculo do seu IMC, o que representa ofensa ao princípio da razoabilidade que deve pautar os atos administrativos.”
TRF3 AI 5026492-84.2021.4.03.0000
Nos autos da ação supramencionada o Tribunal ainda afirma que não é razoável a reprovação pois o cargo pleiteador pela pedagoga, o relator afirmou que : “poderá ser perfeitamente desempenhado, caso aprovada no teste físico, independentemente do valor do seu IMC”
Em diversos casos, envolvendo IMC, os tribunais se manifestam favoráveis a anulação dos atos administrativos que excluem candidatos por causa do índice de massa corporal:
“A condição de obesidade não é suficiente para caracterizar incapacidade funcional, uma vez que não se trata de caso de obesidade mórbida, a impedir ou dificultar o exercício das atividades funcionais, visto que as atribuições do cargo concorrido […] são eminentemente administrativas. A exclusão do candidato do certame com fundamento na referida condição física configura violação aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade”
Uma dentista, foi desligada do processo seletivo de militar temporário por ser considerada incapaz para o fim a que se destina em razão IMC que apresentava obesidade. Ao analisar o caso, o relator, juiz federal convocado Rafael Paulo Soares Pinto, considerou que “…a candidata foi eliminada do certame por obesidade. Contudo, não há nos autos o motivo pelo qual essa patologia a estaria impossibilitando de executar as atividades inerentes ao cargo pretendido”
Não há razoabilidade na pretensão de impedir a posse da candidata no cargo para o qual logrou aprovação em concurso público com base em sua obesidade, sem se ater à pertinência de sua real capacidade de exercer as funções inerentes ao cargo, não podendo ser invocada como obstáculo ao legítimo exercício do cargo público almejado. Ademais, o cargo possui atribuições que não requerem grande capacidade física, de modo que a obesidade da autora não seria empecilho para seu exercício.
TRF1 Processo 1000654-41.2019.4.01.3200
Em outras decisões, o judiciário se manifestou da seguinte forma:
A condição de obesidade não é suficiente para caracterizar incapacidade funcional, uma vez que não se trata de caso de obesidade mórbida, a impedir ou dificultar o exercício das atividades funcionais, visto que as atribuições do cargo concorrido […] são eminentemente administrativas. A exclusão do candidato do certame com fundamento na referida condição física configura violação aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade.
TRF-1, REO 0048317-24.2015.4.01.3400.
Desta forma, é possível concluir que no entendimento de alguns tribunais, embora as atividades castrenses normalmente envolvam esforço físico, é pouco provável que um militar que exerça a função na área administrativa seja demandado, com frequência, a exercer atividades físicas que lhe imponham grande esforço.
HISTÓRICO DE CÂNCER (NEOPLASIA )
Em 2022, uma candidata foi eliminada na etapa da Inspeção de Saúde pois durante a entrevista médica, foi lhe perguntado – de forma complementar – se tinha alguma patologia ou tinha se submetido a alguma intervenção cirúrgica, ao que respondeu que sim e explicou que teve câncer no útero e que houve uma intervenção cirúrgica que removeu o útero e com ele o câncer, estando curada há 8 anos.
O Juiz Federal da 1ª Vara de São José dos Campos, deferiu o pedido da candidata, e ordenou que ela retornasse a seleção pois ficou comprovado que ela está curada há mais de 8 anos, e suas atividades administrativas :
“…não há causa incapacitante, pois a doença está controlada há mais de 08 anos. Por outro lado, a autora se inscreveu para a função de psicologia clínica, atividade meio, que poderá ser desempenhada sem restrições médicas, haja vista a comprovação de qualificação técnica demonstrada nas fases anteriores.”
TRF3 MS 5005167-43.2022.4.03.6103
Em 2019, um candidato foi eliminado do certame pois relatou que no passado teve um câncer, mesmo apresentando exames e laudos que ele passou por procedimento cirúrgico e demonstram que ele estava curado e sem sinais de um novo câncer, ele foi excluído do certame.
O candidato ajuizou ação , o Tribunal Federal da 3ª Região, concedeu a ele o direito de se manter na seleção. O desembargador afirmou em sua fundamentação que a exclusão de um candidato embasada na mera probabilidade de uma doença futura não é razoável e portando fere os princípios constitucionais que devem ser observados nas decisões administrativas:
“A eliminação de candidato, por ser portador de doença ou limitação física que não o impede de exercer as atividades inerentes ao cargo, viola o princípio da isonomia, da razoabilidade e da dignidade da pessoa humana, inexistindo plausibilidade em eventual pretensão de impedir sua investidura no cargo para o qual logrou aprovação em concurso público, baseada em mera possibilidade de evolução de doença.”
TFR3 MS 5001396-17.2019.4.03.6118
Desta forma, é possível perceber que os Tribunais estão aplicando o princípio da razoabilidade, haja vista que os candidatos estavam em perfeitas condições de saúde, apesar de ter um histórico pregresso de neoplasia.
PÓS INCORPORAÇÃO
Imperioso ressaltar que o rigor da capacidade física não é exigido somente no processo seletivo de incorporação, e sim em todo curso da vida castrense.Todos os anos, antes do período de renovação do vínculo, chamado de reengajamento, o militar temporário passa por uma bateria de exames e avaliações físicas.
Se por algum motivo sua capacidade física se torna INAPTA, o militar não obtém o parecer favorável para sua permanência na força e em virtude da não renovação do contrato, retorna a vida civil.
O mesmo rigor utilizado como critério para ingresso no corpo temporário, não é visto para os militares de carreira, pois esses quando considerados inaptos como obesos, depressivos, com câncer, são encaminhados a acompanhamento ou tratamento específico, e na maioria das vezes permanecem aptos as suas funções.
O militar temporário por sua vez, quando adoecido e a doença não tem co-relação com as atividades desempenhadas(Art. 108 VI Lei 6.880/90), na maioria dos casos, é desincorporado ou movimentado para a condição de Licenciado (art. 109 §3º Lei 6.880/90), em algumas situações sem recebimento de sua remuneração.
Em outras situações previstas em lei, o militar temporário da ativa que por algum motivo adoecer e houver relação com as atividades desempenhadas, se considerado inválido para a atividade laboral, pública ou privada poderá, a depender do caso, pleitear a reforma (Art. 111 caput Lei 6.880/90) com recebimento dos proventos.
Independentemente, é inquestionável que os melhores profissionais do mercado, no que tange a qualificação; experiência profissional e aspecto de saúde, são selecionados nos processos seletivos para Militar Temporário e trabalham arduamente em prol da sociedade.
Ludmila Vianna
Administradora – Graduada em Adm de Empresas, possui MBA em Administração Estratégica./ Advogada. Possui Pós-graduação em Direito Penal pelo Escola Brasileira de Direito./ Pós-graduada em Direito Civil pela Fundação do Ministério Público do RS. / Juíza colaboradora no TJRS
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