Canibalização, no contexto militar, é o processo pelo qual peças ou componentes de uma aeronave, veículo ou equipamento são removidos para serem reutilizados em outra unidade da mesma classe, geralmente para fins de manutenção corretiva ou preventiva.
Localizada no deserto de Tucson, no estado do Arizona (EUA), a Base Aérea de Davis-Monthan abriga o lendário 309th Aerospace Maintenance and Regeneration Group (AMARG) — o maior depósito de aeronaves militares do planeta. Conhecido popularmente como cemitério de aviões (The Boneyard), o local estoca milhares de aviões fora de operação, sendo uma das áreas mais secretas e estratégicas da aviação militar dos Estados Unidos onde a chamada canibalização é executada de forma sistemática, economizando milhões de dólares dos cofres públicos dos Estados Unidos da América.
A criação de “The Boneyard” em 1925
A base foi criada em 1925 e teve papel central durante a Segunda Guerra Mundial como centro de treinamento, de formação de pilotos e mecânicos, assim como de manutenção de bombardeiros. Após o conflito mundial, o local tornou-se ideal para armazenar as aeronaves excedentes do pós-guerra. O solo alcalino, o clima seco de Tucson e a distância de 200 quilômetros do mar oferecem as condições perfeitas para impedir a corrosão de estruturas metálicas, reduzindo significativamente os custos de preservação. Hoje, a base ocupa uma área de 2.600 acres (cerca de 10,5 km²).

A Davis-Monthan AFB está situada a 8 km do centro de Tucson, sendo o aeroporto militar mais próximo da cidade e também um dos mais ativos do sudoeste americano. A apenas 10 km da base está o Aeroporto Internacional de Tucson (TUS), que serve como ponto de apoio logístico e facilita o transporte de pessoal e materiais.
Função do Aerospace Maintenance and Regeneration Group
O AMARG é muito mais que um cemitério de aviões. Ele realiza quatro funções principais: Estocagem (preservação de aeronaves que podem retornar ao serviço); Canibalização (remoção de peças para uso em outras aeronaves); Reativação (recuperação de aeronaves desativadas)
Em média, o AMARG economiza mais de US$ 500 milhões anuais aos cofres públicos por meio da reutilização de peças e componentes, a chamada canibalização
O número de aeronaves varia constantemente, mas segundo o último inventário, publicado em janeiro de 2025, existem 3.300 aviões e helicópteros militares armazenados na base. Também há milhares de motores e cerca de 300 mil peças catalogadas.
Os modelos armazenados vão desde aviões da Guerra do Vietnã até modernos caças e bombardeiros: Bombardeiros: B-52 Stratofortress, B-1B Lancer, Caças: F-14 Tomcat, F-16 Fighting Falcon, F-4 Phantom II, Cargueiros: C-130 Hercules, C-5 Galaxy, Aeronaves de vigilância: E-3 Sentry, RC-135. Drones desativados: MQ-1 Predator
A divisão das Aeronaves por Categorias entre as aproveitáveis ou não
O AMARG organiza as aeronaves de acordo com sua condição técnica e destino planejado, dividindo-as em quatro categorias operacionais:
Categoria 1000 (Type 1000) – Armazenamento de Longo Prazo
Aeronaves incluídas nesta categoria são preservadas em condições ideais para uma eventual reativação. Elas permanecem completas, com todos os sistemas críticos intactos, e são protegidas com materiais selantes especiais que evitam a entrada de poeira, umidade e contaminantes ambientais. Por esse motivo, podem ser rapidamente restauradas e devolvidas ao serviço ativo em caso de necessidade estratégica.
Um exemplo notável de reativação de aeronave na categoria 1000 ocorreu em abril de 2024, quando um bombardeiro B-1B Lancer, apelidado de “Lancelot”, foi retirado do AMARG, em Davis-Monthan, para se reintegrar à frota operacional da Força Aérea dos EUA. A aeronave foi transferida para a Base Aérea de Tinker, em Oklahoma, onde iniciou o processo de regeneração técnica.
A decisão de trazer o Lancelot de volta foi tomada pelo Escritório de Planos e Programas Estratégicos da USAF após uma falha catastrófica atingir outro B-1B durante manutenção na Base Aérea de Dyess, no Texas, em 2022. Diante da necessidade de manter o número mínimo de bombardeiros operacionais, a aeronave armazenada foi escolhida como substituta. O feito foi considerado um exemplo de eficiência logística e celebrado pelo Comando de Material da Força Aérea, que destacou a importância do AMARG como reserva estratégica capaz de entregar capacidades letais em tempo recorde.
Algumas aeronaves armazenadas como categoria 1000 (Type 1000) podem ser vendidas para nações aliadas dos EUA; Paquistão e Coréia do Sul são exemplos de países que já adquiriram aeronaves que estavam armazenadas na AMARG. Ambos compraram unidades de Lockheed P-3
Categoria 2000 (Type 2000) – Reutilização de Peças (Canibalização) – Aeronaves que servem como fonte de peças sobressalentes. Não estão aptas a voar novamente. Mas, são muito importantes para manter a frota ativa da USAF e da Marinha dos Estados Unidos.
Categoria 3000 (Type 3000) – Manutenção de Curto Prazo – Aeronaves mantidas em estado de alerta para missões temporárias. Inspecionadas e operadas periodicamente. Exemplo: algumas unidades do KC-135 e F/A-18 Hornet.
Categoria 4000 (Type 4000) – Baixa Definitiva (Descarte) – Aeronaves que serão desmanteladas e sucateadas. Algumas são vendidas para museus, parceiros internacionais ou recicladas. Exemplo: F-111 e A-7 Corsair.

As Aeronaves mais caras estacionadas no “cemitério de aviões” e a importância estratégica da instalação
Algumas das aeronaves armazenadas no AMARG já custaram centenas de milhões de dólares aos cofres públicos. Entre as mais valiosas: B-2 Spirit – US$ 2,1 bilhões; F-22 Raptor – US$ 334 milhões por unidade; B-1B Lancer – US$ 317 milhões; E-3 Sentry (AWACS) – US$ 270 milhões; C-5 Galaxy – até US$ 224 milhões
Muito além de um depósito de “sucata voadora”, o Boneyard é parte da estratégia de prontidão das forças armadas dos EUA. Ele permite mobilizar recursos rapidamente, fornece peças para a manutenção da frota ativa e ajuda a preservar aeronaves raras para fins históricos e tecnológicos.