Um projeto bilionário francês para construir uma prisão de segurança máxima em plena floresta amazônica está reacendendo memórias dolorosas e provocando revolta na Guiana Francesa.
A iniciativa, que visa isolar traficantes de drogas e radicais islâmicos, levanta questões sobre autonomia, colonialismo e o papel da França em seus territórios ultramarinos.
Prisão de segurança máxima em Saint-Laurent-du-Maroni
Segundo informações do portal ”G1”, o governo francês anunciou a construção de uma prisão de segurança máxima em Saint-Laurent-du-Maroni, na Guiana Francesa, com previsão de inauguração em 2028.
O complexo, orçado em US$ 450 milhões (aproximadamente R$ 2,5 bilhões), terá capacidade para 500 detentos, incluindo uma ala de 60 vagas destinada a criminosos de alta periculosidade, sendo 15 reservadas exclusivamente para condenados por radicalismo islâmico.
Esta prisão será a primeira do tipo construída pela França em décadas em um território ultramarino, e se tornará uma peça central na estratégia nacional contra o crime organizado e o extremismo violento.
Localizada em uma área remota da floresta amazônica, a prisão será equipada com tecnologia de vigilância avançada, celas isoladas de segurança máxima e um sistema de monitoramento digital 24 horas, que inclui drones, sensores térmicos e cercas inteligentes.
Segundo o governo francês, a escolha pela Guiana Francesa se deu por razões estratégicas: a densa floresta dificultaria fugas, o isolamento territorial impediria o contato com redes externas, e a presença militar francesa na região garantiria rápida resposta a eventuais incidentes.
O ministro da Justiça francês, Gérald Darmanin, afirmou que o objetivo é “retirar de circulação os perfis mais perigosos envolvidos no tráfico de drogas” e que a localização isolada da prisão na selva amazônica “servirá para isolar permanentemente os chefes das redes de tráfico de drogas” de suas redes criminosas.
Além das instalações carcerárias, o projeto inclui uma base operacional da administração penitenciária, alojamentos para agentes e áreas de treinamento, o que indica que o complexo também poderá servir como centro estratégico para operações de segurança no território.
Reações locais e críticas ao projeto
O anúncio gerou indignação entre moradores e autoridades locais.
Jean-Paul Fereira, presidente interino da Coletividade Territorial da Guiana Francesa, expressou surpresa e descontentamento, afirmando que o plano nunca foi discutido com as autoridades locais e que a medida é desrespeitosa.
Ele destacou que o acordo assinado em 2017 previa a construção de uma nova prisão apenas para reduzir a superlotação da prisão principal da Guiana Francesa.
O deputado franco-guianense Jean-Victor Castor também criticou o projeto, alegando que a decisão foi tomada sem consulta às autoridades locais.
Ele classificou a medida como “um insulto à nossa história, uma provocação política e um retrocesso colonial“, pedindo que a França retire o projeto.
Contexto histórico e tensões coloniais
Saint-Laurent-du-Maroni foi o local do notório Campo Penal de Saint-Laurent-du-Maroni, uma colônia penal que operou do meio do século 19 até meados do século 20.
A região abrigou prisioneiros políticos franceses emblemáticos, muitos levados para a Ilha do Diabo.
A prisão funcionou por um século e foi retratada no best-seller francês “Papillon”, posteriormente adaptado para dois filmes.
A decisão de construir uma nova prisão de segurança máxima na mesma região reacende memórias dolorosas e é vista por muitos como uma continuação das práticas coloniais francesas.
Jean-Victor Castor, membro do Movimento de Descolonização e Emancipação Social (MDES), afirma que “a Guiana [Francesa] tem todos os recursos para ser autônoma e depois independente” e critica a “doutrina da França ainda é colonial“.
Superlotação e violência na Guiana Francesa
A Guiana Francesa é o território francês com o maior índice de criminalidade proporcional à população, com um recorde de 20,6 homicídios por 100 mil habitantes em 2023, quase 14 vezes a média nacional.
A prisão Rémire-Montjoly, localizada perto de Cayenne, capital do departamento ultramarino francês, opera com 1.100 detentos para apenas 600 vagas, resultando em uma densidade de 134,7%, de acordo com dados do Ministério da Justiça divulgados em 2024.
O governo francês argumenta que a nova prisão ajudará a aliviar a superlotação e a combater o crime organizado na região.
Debate sobre autonomia e futuro da Guiana Francesa
O projeto da prisão de segurança máxima intensificou o debate sobre a autonomia da Guiana Francesa.
Jean-Victor Castor e outros líderes locais defendem maior participação nas decisões de Paris e mais investimentos estatais, além de maior autonomia em questões econômicas e de política externa com a vizinhança.
Eles argumentam que o status atual — entre França e Guiana Francesa — é insustentável e que a região poderia florescer perfeitamente sem a França.
A construção da prisão é vista por muitos como um símbolo das práticas coloniais persistentes e uma oportunidade perdida de promover o desenvolvimento sustentável e a autodeterminação na Guiana Francesa.