Avibras acumula R$1,5 bilhão em dívidas, enfrenta risco de falência e vira alvo de árabes, chineses, australianos e disputa política em Brasília
Empresa responsável pelo sistema de foguetes ASTROS II e por parte dos mísseis do Brasil corre risco de fechamento após anos de crise financeira, greve de trabalhadores, dívidas com o governo e tentativas frustradas de venda; nacionalização é defendida por parlamentares e sindicatos

A Avibras Indústria Aeroespacial S/A, uma das mais tradicionais empresas de defesa do Brasil, atravessa sua pior crise desde a fundação em 1961. Com sede em Jacareí, no interior de São Paulo, a companhia acumula dívidas que ultrapassam R$1,5 bilhão, enfrenta um processo de recuperação judicial e pode ter a falência decretada a qualquer momento.
Responsável por sistemas estratégicos como o ASTROS II, mísseis do programa MANSUP e veículos blindados utilizados em conflitos internacionais, a Avibras virou palco de uma disputa que envolve investidores estrangeiros, o BNDES, o governo federal e mais de 900 trabalhadores em greve há quase três anos. O futuro da empresa pode afetar diretamente a soberania militar do Brasil.
O império militar que entrou em colapso
A Avibras já foi sinônimo de inovação no setor bélico brasileiro. Fundada por engenheiros do ITA, a empresa se consolidou com a fabricação de foguetes, mísseis e veículos blindados. Durante a década de 1980, o sistema ASTROS II tornou-se o produto mais lucrativo da empresa, com vendas para o Iraque, Arábia Saudita, Malásia e outros países, movimentando mais de US$1 bilhão em exportações.
Além do Astros, a Avibras desenvolveu sistemas de mísseis como o FOG-MPM, Skyfire e o mais recente AV-TM 300, um míssil de cruzeiro com alcance de até 300 km. Esses projetos fazem da empresa uma peça central na estratégia de dissuasão das Forças Armadas brasileiras.
Mesmo com esse histórico, a empresa entrou em colapso financeiro em 2022. Um pedido de recuperação judicial foi apresentado com dívidas de cerca de R$600 milhões. Desde então, a situação só piorou. A falta de apoio governamental, os problemas de gestão e a ausência de contratos estratégicos agravaram o quadro.
Em março de 2025, a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional solicitou a falência da empresa por inadimplência em acordos de parcelamento de impostos. A dívida com o governo federal já soma R$200 milhões e o Ministério da Fazenda avalia transformar a recuperação judicial em falência definitiva.
Tentativas de venda, interesses estrangeiros e guerra política
Desde 2022, diversas tentativas de venda da Avibras fracassaram. Em 2024, a australiana DefendTex tentou comprar a companhia, mas não conseguiu apoio financeiro do governo da Austrália. A chinesa Norinco, uma gigante do setor bélico, chegou a oferecer a compra de 49% da empresa, mas também não avançou.
Já em 2025, uma nova negociação surgiu com a empresa Black Storm Military Industries, da Arábia Saudita, que sinalizou um aporte de capital significativo. Apesar disso, o negócio ainda não foi concluído, e a insegurança jurídica da Avibras afugenta investidores. O congelamento de ações por decisão judicial impede transações e fere a confiança no controle acionário.
Outro grupo formado pela brasileira Akaer, a Abu Dhabi Investment Group (ADIG) e fundos dos EUA também demonstrou interesse em adquirir 100% da Avibras, mas os entraves judiciais e a resistência da atual gestão emperraram as negociações.
O Sindicato dos Metalúrgicos de São José dos Campos e Região e o deputado federal Guilherme Boulos pressionam pela nacionalização da Avibras. Um projeto de expropriação no valor de R$2 bilhões foi apresentado no Congresso, sob argumento de que a empresa é estratégica para a soberania nacional e responsável por desenvolver sistemas cruciais para a defesa brasileira.
O BNDES, que tem R$21 milhões a receber da empresa, entrou com liminar na Justiça para recolher maquinário dado como garantia. Apesar disso, representantes do banco disseram apoiar um plano alternativo de recuperação, apresentado pela credora Brasil Crédito, que visa substituir a atual diretoria e reestruturar a empresa.
Crise social e greve histórica
A crise da Avibras não é apenas financeira. Desde setembro de 2022, os trabalhadores estão em greve por causa do atraso nos salários. Já são mais de 26 meses sem pagamento integral, incluindo 13º, férias e FGTS. Em assembleia, os trabalhadores aprovaram um plano alternativo com parcelamento em 48 vezes e conversão de multas em ações da futura “Nova AVB”.
Apesar da aprovação do plano pelos credores, a atual direção da empresa entrou com recurso na Justiça tentando anular a decisão, alegando manobras irregulares na assembleia e uso político por parte da credora interessada.
Enquanto isso, a greve continua, a produção está parada e os funcionários vivem em situação de vulnerabilidade extrema, muitos enfrentando dificuldades para garantir o sustento básico das famílias.
Produtos estratégicos e ameaça à soberania
O portfólio da Avibras vai além do ASTROS II. A empresa participa do desenvolvimento de mísseis como o MANSUP, em parceria com a SIATT e a Marinha do Brasil, além de veículos blindados como o Guará 4×4 e o AV-VBL, exportado para países como Malásia.
A empresa também está envolvida no desenvolvimento de mísseis de longo alcance, como o FOG-MPM, e em projetos de mísseis antinavio e ar-terra em conjunto com o grupo árabe EDGE, que adquiriu metade da SIATT em 2023.
A falência da Avibras colocaria em risco não apenas os empregos e a indústria local, mas também comprometeria capacidades estratégicas nacionais. Isso afetaria diretamente os programas militares do Brasil e deixaria o país ainda mais dependente de fornecedores estrangeiros em um setor considerado sensível para a segurança nacional.
O sistema ASTROS II, por exemplo, já foi usado em conflitos como a Guerra do Golfo e é considerado peça-chave na doutrina de artilharia brasileira. Além disso, a integração do MANSUP ao ASTROS como bateria costeira é vista como um avanço estratégico para defesa do litoral brasileiro.
Mesmo em meio à crise, a Avibras segue sendo uma empresa com alto potencial tecnológico, respeitada internacionalmente e com produtos em uso real por forças armadas de vários continentes. O que está em jogo agora é se o Brasil será capaz de salvar um de seus maiores patrimônios tecnológicos ou deixará essa joia nacional cair nas mãos de interesses externos.