Maior indústria bélica do Brasil enfrenta caos histórico com mil dias de greve, salários atrasados e ameaça de colapso no setor de defesa nacional
Indústria bélica enfrenta colapso, trabalhadores seguem paralisados há mil dias e disputa judicial pode mudar o rumo de uma das empresas mais estratégicas do setor militar brasileiro, com impactos diretos na soberania nacional e no mercado internacional de defesa.

Em uma pequena cidade do interior paulista, um drama silencioso vem se desenrolando há quase três anos e pode afetar diretamente os rumos da indústria de defesa nacional.
Enquanto os holofotes se voltam para os grandes embates políticos e econômicos do país, Jacareí abriga um dos mais longos protestos trabalhistas da história recente do setor militar brasileiro.
Funcionários da Avibras, considerada a maior fabricante nacional de armamentos e sistemas de defesa, estão em greve desde setembro de 2022.
O que começou como uma paralisação contra atrasos salariais se transformou em uma batalha prolongada envolvendo credores, possíveis investidores internacionais e disputas judiciais pelo controle da companhia.
O epicentro de uma crise que expôs fragilidades no setor bélico
Segundo informações do portal ”G1”, a greve teve início em 9 de setembro de 2022, quando cerca de 1.200 funcionários suspenderam as atividades após acumularem dois meses sem receber salário.
Passados mil dias desde o início da paralisação, os trabalhadores somam mais de 26 meses de vencimentos atrasados, além de valores não pagos referentes a 13º, férias e FGTS.
A situação expõe uma realidade crítica: uma das mais importantes empresas de tecnologia militar do Brasil agoniza financeiramente, com dívidas estimadas em R$ 600 milhões e sem uma solução definitiva à vista.
Fundada em 1961, a Avibras é reconhecida internacionalmente pelo desenvolvimento de sistemas de foguetes de saturação, como o ASTROS II, usado pelas Forças Armadas de vários países.
Apesar de seu prestígio no setor, a empresa enfrenta dificuldades desde o início da pandemia, intensificadas por problemas de gestão e perda de contratos estratégicos.
Uma greve que virou símbolo de resistência e indignação
Ao longo da paralisação, os trabalhadores realizaram diversas manifestações para pressionar tanto a direção da empresa quanto autoridades públicas.
Em abril de 2023, bloquearam uma faixa da Rodovia dos Tamoios em São José dos Campos.
Dias depois, marcharam até a sede do BNDES, no Rio de Janeiro, cobrando uma posição do banco estatal sobre o futuro da indústria.
Também houve protestos em frente à casa do proprietário da Avibras, João Brasil Carvalho Leite, demonstrando o grau de desespero dos funcionários diante da incerteza prolongada.
O Sindicato dos Metalúrgicos de São José dos Campos, que representa os trabalhadores, estima que a dívida trabalhista acumulada nos últimos dois anos já ultrapassa os R$ 320 milhões.
Negociações frustradas e promessas não cumpridas
Nos bastidores, diversas negociações para a venda da empresa foram tentadas — mas todas falharam.
Em 2024, tratativas com uma empresa australiana e depois com um investidor brasileiro acabaram canceladas.
Em janeiro de 2025, surgiu a possibilidade de uma compra por parte da Black Storm Military Industries, da Arábia Saudita.
Ainda assim, nenhum contrato foi firmado.
A mais recente e concreta tentativa de reestruturação veio com a entrada da Brasil Crédito, uma das principais credoras da Avibras.
A instituição financeira apresentou um plano alternativo de recuperação judicial aprovado pelos demais credores em maio de 2025.
Esse plano prevê a destituição do atual proprietário da empresa e a nomeação de um interventor judicial, além do parcelamento em 48 meses dos salários e encargos atrasados.
Também está prevista a conversão de multas trabalhistas em ações da nova empresa, batizada de Nova AVB, com estabilidade provisória de emprego por três meses para os funcionários que retornarem.
Disputa judicial acirrada pode mudar o rumo da reestruturação
Apesar da aprovação em assembleia de credores, a Avibras entrou com recurso na Justiça para anular a decisão.
A empresa alega que a votação do plano alternativo não estava prevista na pauta oficial da reunião e contesta o voto da Brasil Crédito, sugerindo que a instituição agiu com interesse próprio para assumir o controle da companhia.
A Justiça ainda não decidiu se manterá a validade da assembleia nem se o plano alternativo será de fato implementado.
Essa disputa jurídica adiciona um novo capítulo à longa crise e aprofunda o impasse entre trabalhadores, direção da empresa e possíveis investidores.
BNDES surge como alternativa nacional para salvar a Avibras
Enquanto a proposta da Brasil Crédito continua em avaliação judicial, outras possibilidades para salvar a Avibras também vêm sendo articuladas nos bastidores.
Segundo o jornalista Luís Nassif, do portal Jornal GGN, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) prepara uma ação emergencial para manter a empresa sob controle nacional.
A operação envolveria a criação de um fundo composto por capital privado e estatal, com o objetivo de garantir a reestruturação da Avibras e a preservação de sua importância estratégica para o setor de defesa brasileiro.
Esse plano já teria sido aprovado por acionistas e aguarda apenas autorização da Justiça para entrar em vigor, permitindo a troca de gestão e o início de um novo ciclo de investimentos.
A eventual participação do BNDES reforça a percepção de que a Avibras não é apenas uma empresa comum, mas sim uma engrenagem vital na cadeia tecnológica e militar do país, especialmente na produção de armamentos de alta complexidade.
Assim, enquanto a proposta da Brasil Crédito representa uma solução de mercado, o envolvimento do BNDES sinaliza uma tentativa de preservação soberana da indústria bélica nacional, mostrando que o destino da empresa ainda pode seguir caminhos diferentes, mas com o mesmo objetivo: evitar o colapso definitivo da maior fabricante de defesa do Brasil.