Prosseguindo em nossa dissecação e descrição de ações da Comissão Nacional da Verdade trazemos à tona uma audiência pouco divulgada, realizada com militares que combateram contra as próprias Forças Armadas brasileiras. Gradativamente a CNV vai disponibilizando suas audiências públicas.
A Comissão Nacional da Verdade, pelo menos por enquanto, não mencionou de forma perceptível que os militantes da esquerda armada lutavam pela implementação de uma ditadura comunista. Sustenta-se a tese de que a luta era por democracia. Em meio à audiência surgem números realmente escabrosos, segundo a CNV foram 20.000 pessoas torturadas pelos militares brasileiros. Segundo um dos assessores, surpresas vem por aí, pois ha informações de que muito do dinheiro das expropriações foi parar no bolso de torturadores e agentes da repressão. Na audiência pública o professor Paulo Cunha desafia os grupos que pedem uma investigação de dois lados a provar que algum crime cometido pela esquerda deixou de ser investigado.
Rosa Cardoso iniciou sua fala dizendo que a CNV pretendia reconstituir esse imenso painel de ilegalidades que a ditadura representou. Disse ainda que a Ditadura se preparava no Brasil desde o segundo governo de Getúlio Vargas e que desde o fim da Segunda Guerra os Estados Unidos estão no Brasil em uma tarefa de vigilância contínua e cada vez mais aprofundada. Rosa Cardoso, sem dar mais detalhes, disse que os EUA, por meio da CIA, se apropriaram da rede de espionagem nazista montada no Brasil. A advogada disse também que as listas das pessoas que seriam perseguidas e violentadas já estavam prontas antes da instauração do golpe militar em 1964.
Na reunião em questão algumas declarações chamam a atenção. O professor Paulo Cunha, da UNESP, deixa claro que os próprios militares foram o grupo mais afetado entre os perseguidos políticos no Brasil. Uma das teses defendidas por Paulo Cunha é que desde 1935 há uma política de exclusão de qualquer tipo de diálogo dos militares entre si e com a sociedade civil. Outra das suas teses diz que a anistia aos militares no Brasil foi socialmente limitada e ideologicamente norteada.
Para comprovar sua tese ele disse que a anistia completa nunca foi dada aos praças das forças armadas punidos por alguma participação “subversiva”.
O professor diz ainda que há em curso um processo de redemocratização das instituições militares, cita o enorme número de greves ocorridas nas polícias desde 1988. Segundo o mesmo foram mais de 300. O professor exalta o papel dos oficiais e sargentos na campanha o petróleo é nosso e diz que graças a esses militares, que atuaram no clube militar e associações de sargentos, hoje temos a Petrobrás e o Pré-sal.
Segundo Paulo Cunha, chega a 7.500 o número de militares demitidos, cassados e torturados. Um número que deve aumentar com os dados das forças auxiliares. Segundo o mesmo, 27 militares foram mortos após 1964 defendendo a democracia. Para o professor após 1964 não havia distinção entre praças e oficiais, membros de ambos os grupos foram torturados. Paulo Cunha diz ainda que todos os militares perseguidos tem méritos, para ele é sempre legítimo resistir a uma ditadura. Segundo o mesmo, tanto os que optaram por ficar e lutar pela redemocratização como os que decidiram pelo exílio, devem ser reconhecidos igualmente como prejudicados pela ditadura.
O professor, citando declaração do Coronel Ustra, adverte que não deve-se fazer críticas à coletividade, “colocando todos no mesmo guarda-chuva”, para ele não cabe criticas às instituições. Paulo Cunha disse que muitos militares prestaram depoimento. Segundo ele, alguns poucos declararam não concordar com a deposição de João Goulart e a imensa maioria criticou o prolongamento do regime, que durou mais de 20 anos.
“Brilhante Ustra… costuma associar ou identificar a sua percepção pessoal, se diz perseguido, dizendo que ele não está sozinho no banco dos réus, que quem está no banco dos réus é o exército brasileiro”
Paulo Cunha, respondendo em nome da CNV aos pedidos de investigação dos “dois lados”, diz que não cabe essa investigação. Ele diz que desafia qualquer um a mostrar qual o crime “do outro lado” que ainda não foi devidamente investigado. Para ele inclusive o caso da morte do soldado Mario Kosel foi devidamente investigado, com culpados indiciados e punidos.
Outra questão polêmica colocada foi sobre o dinheiro das expropriações, constantemente mencionado por militares da reserva. Sobre isso o assessor da CNV disse: mais importante que investigar para onde foi o dinheiro do cofre do Ademar, seria investigar a origem do dinheiro do cofre do Ademar. Disse ainda que muitos agentes da repressão e torturadores ficaram muito bem de vida, e que consta que muito desse dinheiro da guerrilha, cujas origens podem ser várias, foi parar no bolso de alguns deles. Os relatos estão aí, o que eu acho mais lamentável disso tudo é que alguns deles foram condecorados com a Medalha do Pacificador.
Segundo a CNV as primeiras ações de resistência do Golpe Militar teriam sido realizadas por militares, e não pela esquerda armada, que num primeiro momento teria se escondido. Alguns desses militares, tratados como heróis pelos membros da CNV, compareceram à audiência. Pedro Lobo, Darcy Rodrigues e José de Araujo Nobrega, os três eram sargentos e já foram promovidos ao posto de Capitão. Os militares participaram da guerrilha armada ao lado de Lamarca, no vale do Ribeira.
Nos próximos dias disponibilizaremos o resumo de mais uma audiência da CNV.{jcomments on}
Robson A.D.Silva – Sociólogo.
Editor de Revista Sociedade Militar Online.