As reações dos militares a um vídeo institucional publicado pela Marinha do Brasil em oito de outubro em alusão ao dia do veterano mostram que parte considerável da sociedade fardada parece considerar que não há muito o que comemorar nos últimos anos.
Entre as muitas reclamações encontradas no campo de comentários abaixo do vídeo destacam-se as que mencionam atendimento médico e a lei de reestruturação das carreiras das Forças Armadas. As impressões negativas somam cerca de 40% dos comentários, algo que deve ser observado com preocupação, considerando principalmente que no vídeo há imagens e falas de militares de alto status para a força naval, como o Almirante de Esquadra Alfredo Karam, que foi Ministro da Marinha no último período do regime militar, sob o comando do General João Baptista Figueiredo.
Não há como negar que algo mudou em relação a confiança no comando. A tropa parece cada vez mais isolada no que diz respeito a relação com a cúpula.
Uma comparação entre os vídeos de fim de ano dos Comandantes da Força Naval publicados em 2015 e 2020 traz números que comprovam a afirmação. Em 2015 a postagem do Almirante Leal, feita em 16 de dezembro, recebeu somente 7 impressões negativas (2%), já o vídeo gravado por Ilques Barbosa em 2020 recebeu 905 descurtidas (28%), o que representa um aumento de mais de 26% pontos percentuais negativos no índice de reprovação em apenas 5 anos.
O fato remete a outro semelhante, a palestra de fim de ano de 2020 do então ministro Fernando Azevedo, quando o número de descurtidas e comentários negativos foi tão grande que a defesa resolveu censurar tudo, apagando os comentários e registro do número de curtidas. Após solicitações de informações o ministério informou que não havia como recuperar o que foi deletado.
O que aconteceu
Há vários fatores importantes que podem ter contribuído para quebrar o elo de confiança entre cúpula e base militar, entre eles estão: o fato de generais membros do governo – que sempre falaram em austeridade – terem se mobilizado para a categoria ter direito a extrapolar o teto constitucional; a distribuição de condecorações em excesso para políticos e membros do judiciário; novas legislações que restringiram direitos de militares temporários etc. Mas, entre todos eles, é certo que a última reestruturação das carreiras, imposta pela lei 13.954, sancionada por Bolsonaro em dezembro de 2019 e que deixou uma rachadura entre base e cúpula das forças armadas é a questão mais importante e traumática desses últimos anos.
No campo político a coisa rendeu vários coros de Bolsonaro traidor nos corredores da Câmara dos Deputados e discursos inflamados da esquerda em favor de graduados e pensionistas das Forças Armadas. Senadores como o falecido Major Olímpio e Izalci Lucas repetiram durante mais de um ano em seus discursos a quebra de um acordo de honra entre os generais e o Senado, quando os primeiros se comprometeram a logo após a aprovação da lei criar um grupo de estudo para estudar as reclamações da tropa e corrigir as falhas na nova norma.
São muito frequentes as postagens feitas por militares cobrando dos generais o cumprimento das promessas feitas aos senadores, o que deixa bastante constrangida a cúpula das instituições. Generais que assumiram cargos políticos no governo são os alvos principais dos veteranos que não engoliram até hoje as regras que teriam beneficiado a cúpula.
No campo jurídico a coisa pode ser percebida pelo número de ações judiciais exigindo reparação em relação a mudanças impostas pela lei. Uma postagem realizada pela Revista Sociedade Militar em 28 de setembro contendo informações sobre processo judicial envolvendo questões da lei de reestruturação em apenas dois dias recebeu mais de 45 mil visualizações, um número que por si só equivale a mais que 10% da tropa na ativa.
Outra postagem, sobre o curso de Altos Estudos para graduados na Marinha, em apenas um dia recebeu mais de 15 mil visualizações. O número de leituras no texto mostra que uma parcela significativa da tropa na ativa anda preocupada. O número de acessos equivale a mais de 25% dos militares da força naval em atividade.
No campo militar as coisas, obviamente, são menos perceptíveis. Mas, uma pesquisa recente feita pela revista Sociedade Militar, que contou com a participação de leitores da revista que estão na reserva e na ativa, demonstra que a tropa anda ressabiada.
Com um índice de confiança de 95%, a pesquisa demonstra que pelo menos 77% dos militares não confia na cúpula das instituições para tratar de questões relacionadas ao salário da tropa.
Uma questão ainda a ser observada envolve as consequências eleitorais para o próprio presidente e seus filhos. Tendo como base o eleitorado militar do Rio de janeiro, formado por cerca de 270 mil famílias de militares e seu círculo de influência, as consequências da quebra de confiança entre cúpula e base das Forças Armadas podem se refletir nas próximas eleições.
Há vários pré-candidatos militares que já tem evitado mencionar o nome de Jair Bolsonaro em seus atos pré-eleitorais, isso nunca havia acontecido antes. Há nas redes sociais grupos de WhatsApp e Facebook com nomes como “2022 SEM BOLSONARO” e militares de alta patente com antigos projetos eleitorais já pensam em desistir das candidaturas.
Militares de alta patente, como o atual comandante da Marinha, assim como o da Aeronáutica, são vistos como bastante simpáticos à política implementada pelo atual presidente e isso parece instigar políticos a se aproximar da cúpula militar acreditando que podem atrair o voto da base.
Há uma semana o deputado Marcelo Dino (PSL-RJ) publicou imagens de uma reunião realizada em seu gabinete com almirantes e oficiais superiores. O parlamentar não pediu votos ou falou em qualquer tipo de acordo, mas – assim que a imagem circulou – em vários comentários em redes sociais de graduados das Forças Armadas, que somam mais que 80% da tropa, percebeu-se críticas e indiretas sobre um suposto erro de estratégia cometido pelo político, que estaria buscando votos “na fonte errada”. Militares comentam que a tropa não acompanha o voto da cúpula. Mais uma evidência de que há de fato um ranço.
Difícil prever até onde isso tudo chegará.
A Revista Conversou hoje com um pré-candidado militar a deputado federal residente na região metropolitana do Rio de Janeiro. Membro da Marinha, ele conta que percebe que cada vez mais entre os seus pares aumenta a rejeição ao bolsonarismo.
Segundo o mesmo militar: “muitos já evitam citar o nome do presidente, não falo bem nem mal, a família militar está bastante dividida“.
Robson Augusto / RJ
Imagem/capa: Flickr marinha do Brasil
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