No documento vazado da Polícia Federal (PF), que trouxe à tona conversas e registros de um suposto complô contra a democracia brasileira, um detalhe polêmico e quase não mencionado pela grande mídia chama atenção: a atuação do general Hamilton Mourão. Em uma reunião com o vice-presidente chinês, Wang Qishan, Mourão teria tratado de assuntos relacionados à Huawei no Brasil sem o conhecimento do ex-presidente Bolsonaro. Segundo as mensagens obtidas pela PF, o ex-vice-presidente teria rasgado um documento assinado por Jair Bolsonaro que delineava o plano de golpe.
Diálogo e contexto
No relatório da PF, o tenente-coronel Sérgio Cavaliere, em uma conversa com Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, repassa as capturas de tela de uma troca de mensagens entre um contato identificado como “Riva” e outros militares. “O Mourão negociou com outros Generais a saída do 01, falando que o Peru era logo ali; Rasgaram o documento que o 01 assinou; Estava em reunião com o vice da China com relação a Huawei aqui no Brasil,” diz a mensagem.
A declaração demonstra que Mourão estaria em um momento de contradição, tratando de interesses que, supostamente, iam contra a linha do governo Bolsonaro, que sempre foi contrário à presença da China no Brasil, e que favoreciam o gigante asiático.
Transcrição do diálogo
Riva: Estou escutando a história do Mourão e estou abismadooooooo. Fora os outros GEN. Na REUNIÃO com o 01 e o que eles fizeram.
Contato: Diga.
Riva: O Mourão negociou com outros Generais a saída do 01, falando que o Peru era logo ali; Rasgaram o documento que o 01 assinou; Estava em reunião com o vice da China com relação a Huawei aqui no Brasil. Tinha informando do [emoji de ovo] de leva e trás.
Contato: Gen Stumph.
Riva: Sim. Outro amigo do FHC. Negociando cargos no governo para parentes inclusive.
Contato: Vergonha eterna esses integrantes do ACE.
Riva: No meu vago conhecido e entendimento isso se assemelha e traição à pátrica, lesa pátria. #conhecimento. Isso independente da patente. Isso é de embrulhar o estômago.
Contato: Decepção sem tamanho.
O passado e as suspeitas
A atuação de Mourão em favor da Huawei não é nova. Em 2019, ele afirmou, em entrevista ao g1, que o Brasil não tinha intenção de restringir as atividades da empresa chinesa: “O Brasil não tem nenhum plano disso. Enquanto houver esse clima de confiança, não tem problema nenhum”.
E em dezembro de 2020, a CNN Brasil reportou que Mourão defendeu a participação da Huawei no 5G, alertando que uma eventual exclusão teria um custo elevado: “Vai ter que desmantelar tudo que tem aqui, porque ela não fala com os equipamentos das outras. E quem vai pagar esta conta? Somos nós, consumidores”.
Mourão e a ‘traição’ da Pátria
Mourão, enquanto vice-presidente, buscava aproximação com a China, uma potência em crescente disputa com os EUA. No momento em que o governo Bolsonaro tentava se alinhar às pressões americanas contra a Huawei, Mourão sinalizava uma postura oposta, favorecendo interesses que, sob outra óptica, poderiam ser vistos como uma “traição” aos interesses nacionais. Em meio à tentativa de golpe, essa atitude abre uma nova ângulo sobre o papel do ex-vice-presidente na crise política e institucional do país.