Durante a Guerra do Vietnã, um tipo peculiar de soldado emergiu do campo de batalha: os “Tunnel Rats”. Esses militares, em sua maioria voluntários do Exército dos Estados Unidos, Austrália, Nova Zelândia e Vietnã do Sul, foram responsáveis por uma das missões mais perigosas do conflito: adentrar os túneis subterrâneos construídos pelo Viet Cong para mapear, desarmar armadilhas, reunir inteligência e eliminar combatentes inimigos. Tudo isso em combates muitas vezes corpo a corpo, no escuro, e sem espaço para erro.
Segundo o Museu Nacional do Exército dos EUA, “poucos soldados convencionais colocaram-se tão consistentemente em perigo no Vietnã quanto os Tunnel Rats”. Esses combatentes executavam missões de reconhecimento e destruição em complexos subterrâneos que abrigavam hospitais, centros de comando, depósitos de armas e alojamentos. Em regiões como Củ Chi, os túneis chegaram a ter vários níveis e quilômetros de extensão.
Uma guerra abaixo da linha do solo
A prática de escavar túneis já era utilizada pelo Viet Minh contra os franceses, mas foi com o Viet Cong que os complexos atingiram sofisticação. Estruturas camufladas, com passagens estreitas de cerca de 60×90 cm, exigiam soldados de pequena estatura e extrema agilidade. “Tunnel Rats eram geralmente homens com menos de 1,65m, que conseguiam se mover com mais facilidade dentro dos túneis estreitos”, explica o relatório do U.S. Army Corps of Engineers (2003).
O sargento C.W. Bowman, veterano e ex-tunnel rat, relembra: “Fui enviado a um bunker subterrâneo, com o coração na boca. Tudo que eu podia ver era a luz no outro extremo. Disse a mim mesmo: se chegar até lá, eu sobrevivo.” Depois disso, ele se ofereceu para cuidar dos túneis enquanto outro colega vasculhava os bunkers. “E assim me tornei um ‘rat’”, conta Bowman, em relato ao Museu Militar da Carolina do Sul.
Equipamento reduzido, riscos máximos
Esses soldados entravam nos túneis com equipamentos mínimos: geralmente apenas uma lanterna, uma pistola calibre .45 (como a M1911), um punhal e, eventualmente, uma máscara de gás — embora muitos a evitassem por dificultar a audição, visão e respiração. Segundo registros do Small Arms Review, o som ensurdecedor do disparo do .45 em ambiente fechado fez com que muitos tunnel rats passassem a preferir revólveres .38 com silenciador ou até armas pessoais mais discretas.
O ambiente subterrâneo era mais do que hostil: punji stakes (estacas afiadas), armadilhas explosivas, cobras venenosas, ar irrespirável, morcegos, escorpiões e colapsos estruturais compunham a paisagem diária. “Confrontos com cobras venenosas ou guerrilheiros do Viet Cong ocorriam frequentemente em alcance corpo a corpo”, relatou o Capitão Herbert Thornton, oficial de armas químicas da 1ª Divisão de Infantaria dos EUA.
Por que arriscar tudo?
A resposta pode ser resumida em uma palavra: inteligência. Os túneis frequentemente guardavam documentos, mapas, rádios, listas de informantes, códigos e até armamento pesado. Um caso citado no Museu Nacional do Exército destaca a descoberta de uma central de inteligência do Viet Cong onde transmissões das divisões 1ª e 25ª americanas estavam sendo interceptadas e decodificadas. A destruição dessa rede salvou inúmeras vidas.
Em outro episódio, tunnel rats encontraram “6.000 quilos de arroz, 40 de sal, câmeras, filmes, impressoras, armas e até um tanque M48 que havia sido transformado em posto de comando”, conforme relatado por Jonathan Curran, pesquisador do Exército Americano.
Tática e improviso
Os primeiros tunnel rats atuavam com pouco treinamento. Mas com o tempo, desenvolveram doutrinas próprias. Em vez de tentar entrar em túneis sem saber o que os aguardava, passaram a lançar granadas ou explosivos antes de entrar, a fim de eliminar booby traps ou emboscadas. O uso de lanternas com lentes vermelhas, por exemplo, foi introduzido para diferenciar os americanos dos vietcongues, que usavam luz branca ou velas. Outra tática era assobiar uma melodia combinada ao sair do túnel, evitando ser confundido com o inimigo por tropas na superfície.
O legado dos tunnel rats
Estima-se que havia cerca de 100 tunnel rats atuando no Vietnã. Muitos morreram em combate subterrâneo ou em emboscadas, e quase todos foram feridos pelo menos uma vez. Mas seu impacto foi significativo. De acordo com relatos da época, as ações dos tunnel rats resultaram em mais de 12 mil guerrilheiros mortos e 153 capturados em uma única operação em agosto de 1968.
Além disso, os tunnel rats abriram caminho para operações modernas de guerra subterrânea. Durante a Guerra Soviético-Afegã (1979–1989), o Exército Vermelho organizou unidades especializadas em combate em túneis. Mais recentemente, as Forças de Defesa de Israel criaram o destacamento Samoor, subordinado à unidade de engenharia Yahalom, com funções semelhantes às dos tunnel rats.
Embora poucos em número, esses soldados criaram do zero uma doutrina de combate em túneis que permanece relevante até hoje. “Os tunnel rats optaram por descer em território desconhecido, sem o auxílio da tecnologia moderna, para negar ao inimigo qualquer refúgio”, escreve Curran.
Para muitos veteranos, os efeitos físicos e psicológicos perduram. A exposição prolongada ao Agente Laranja nos túneis contaminados e o trauma do confinamento e do combate corpo a corpo marcaram esses homens para sempre. Mas seus feitos silenciosos continuam ecoando como símbolo de coragem em uma das guerras mais difíceis da história moderna.
Fontes:
- Museu Nacional do Exército Americano. Tunnel Rats of the Vietnam War.
- Museu Militar da Carolina do Sul. C.W. Bowman was a ‘tunnel rat’ in Vietnam.