O segundo avião atingiu a torre sul por volta das 09:03, hora local. Aqui no Brasil, na minha cidade, era 1 hora depois, pouco mais de 10 horas da manhã.
Todo mundo com idade suficiente se lembra mais ou menos de onde estava e o que fazia naquele fatídico dia. Eu era muito jovem, um garoto de apenas 15 anos de idade. Naquela época, éramos mais ignorantes com relação ao mundo, não apenas porque não tínhamos idade pra compreendê-lo, mas também porque éramos todos, de fato, bastante mal informados sobre tudo.
A internet mal engatinhava por aqui e o acesso à todo tipo de informação – e opinião – era muito restrito.
Eu estava, claro, em idade escolar, mas minha aula era à tarde, somente após as 12:30. Nunca cheguei a ir à escola naquele dia, no entanto. Ninguém foi. Aquela manhã foi muito marcante, pra todos nós, de muitas formas diferentes.
Muita coisa aconteceu comigo no dia 11 de setembro de 2001.
“Destruíram Nova York”
Eu me lembro de ter acordado com a ligação de uma tia. Ela dizia, aos berros, à minha mãe no telefone: “Destruíram Nova York! Destruíram Nova York!”. Minha mãe sempre foi uma mulher muito forte, muito centrada, mas sua expressão de espanto foi tal que acabou contaminando à todos na casa. Ela parecia realmente acreditar naquilo. E assim todos nós acreditamos.
Ligamos a TV. A frase “destruíram Nova York”, é claro, era um exagero. Mas, em 11 de setembro de 2001, não parecia hipérbole em absoluto. De olhos grudados na televisão, víamos imagens de todos os ângulos, em todas as velocidades, do avião atingindo a torre sul. Eram cenas muito, muito chocantes.
Passamos o resto do dia grudados na frente da televisão. Grudados. Parecíamos aquelas pessoas do filme “O Show de Truman”, que mal conseguem piscar enquanto olham pra tela, sabe?
Foi um dia que praticamente não existiu. Passamos o dia atrás de informações, tentando entender o que aconteceu, quem eram os responsáveis, como aquilo havia sido executado. Estávamos muito impressionados com a surrealidade dos fatos. Ninguém nunca havia pensado, nem mesmo os especialistas militares mais conceituados do mundo, que algo como aquilo era possível de ser feito.
Eu, um adolescente
Me lembro de ter sentido sensações mistas, principalmente nas primeiras horas. Como a maioria dos adolescentes da época, eu era antiamericanizado até o último fio de cabelo. Como disse, nós crescemos realmente com muito pouca informação sobre o mundo em geral, sobretudo nós, oriundos de escolas públicas.
O que aprendemos desde pequenos é que os americanos eram um mal para o mundo, como um todo. E tratavam-se sobretudo um mal que precisava ser combatido e repelido a qualquer custo, e com urgência.
O ensino escolar colaborava muito nesse sentido. Tudo na escola era bastante enviesado sobre o assunto: os professores acreditavam cegamente que os americanos eram os responsáveis por tudo de ruim que acontece no mundo, fazendo um esforço desproporcional para incutir isso na cabeça das crianças e adolescentes. Ser antiamericano, portanto, era incentivado pelo sistema, além de fazer você parecer cool entre os jovens. O antiamericanismo, portanto, era ao mesmo tempo mainstream e um ato de rebeldia.
Por isso, quando finalmente soube que era um ataque, admirei o que achava que era um ato de coragem dos envolvidos. Achava, de uma maneira um tanto deturpada, que quem quer que tivesse executado aquilo, tinha feito um plano muito bem elaborado. Teria sido, com certeza, arquitetado por um supervilão desses que a gente vê nos filmes do 007. Um sujeito bilionário, de monóculo, com um ódio imensurável dos Estados Unidos, mas que certamente era justificável, sob seu ponto de vista.
Por um momento, cheguei a pensar que era uma atitude de um país, entidade ou pessoa que finalmente deu aos Estados Unidos o que eles mereciam: justiça. E, portanto, na minha jovem cabeça, tratava-se de uma atitude nobre.
Oh, eu estava errado. Muito, muito errado.
Conforme os dias se passaram e as informações começaram a ficar mais claras, gradualmente passei a entender a real gravidade daquela situação. Aos poucos, a sensação de que, afinal, a justiça havia sido feita contra os opressores, foi se dissipando. Nos próximos dias, minha opinião se reverteria. A medida que as imagens, os vídeos, os depoimentos, vinham chegando a nós, me pareceu cada vez menos que aquilo havia sido um ato corajoso, nobre, ou justo.
Nos dias subsequentes, compreendi o quanto tudo aquilo foi, na verdade, um ato brutal sobretudo de covardia, deliberado, contra civis desarmados. E tive noção da dimensão de quanto aquilo tudo causou a destruição de inúmeras famílias que nada tinham a ver com a causa que esses terroristas representavam.
Fui de antiamericano ferrenho à defensor daquelas pessoas, daquelas famílias, daquele país, que tão brutalmente e covardemente havia sido atacado por um inimigo que sequer teve a decência de declarar-se beligerante.
Aquilo, certamente, nada tinha a ver com os valores que eu defendia.
Nada.
Percebi, afinal, que o mundo era além do preto-e-branco que eu via na minha adolescência. Que era muito mais do que “os americanos são maus e todo o resto é bom”. Entendi que há pessoas más e entidades mal intencionadas no mundo todo. E, mais do que isso, compreendi que ser antiamericano fazia tanto sentido quanto ser “antieuropeu”, “anti-asiático”, “anti-católico”, “anti-brancos”…
Compreendi que não se pode rotular as pessoas baseadas nas atitudes dos seus governantes, da sua elite. E que não se pode julgar um povo inteiro quando a única coisa que realmente compartilham entre si é sua posição geográfica relativa no mundo.
Porque, vejam bem, o incidente me fez perceber que os Estados Unidos, não era uma entidade uniforme, única, formada por porcos capitalistas malignos, engravatados mesquinhos de Wallstreet e senhores da guerra sedentos por petróleo. Ao contrário. Era, na verdade, um país com uma diversidade infinita de pessoas, exatamente como o nosso. Um país formado por cidadãos capazes de se arriscar pra defender os seus, onde também há intenções nobres, preocupação com o próximo, luta por igualdade, justiça e união. Talvez mais ainda do que no meu próprio país.
O ataque ao World Trade Center nos mostrou que os americanos não eram inerentemente perversos, mesquinhos ou imperialistas.
Eram apenas humanos, como nós. Eles também tinham problemas. Também eram frágeis. Também tinham seus sonhos, suas paixões e suas famílias. E que, longe do que a mídia anti-americana pinta(va), os americanos eram, sim, e ainda são, capazes de gestos grandiosos de amor e de bondade.
Antes do ataque, provavelmente haviam mais anti-americanos como eu. Mais gente com seus próprios motivos pra odiar e esculhambar os Estados Unidos.
No entanto, os terroristas humanizaram o “inimigo“. Entendemos que, afinal, éramos mais parecidos do que nos faziam acreditar. E aí nós nos identificamos com seus valores e nos compadecemos da sua dor.