A segurança pública no Brasil voltou ao centro do debate após a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre a atuação das guardas municipais. A polêmica ganhou força com a proposta da Prefeitura do Rio de Janeiro de criar uma Força de Segurança Municipal (FSM), prevendo agentes armados em apoio às polícias convencionais.
Contudo, especialistas apontam um problema jurídico grave: a Guarda Municipal não é reconhecida como polícia pela Constituição Federal.
O que diz a Constituição sobre a Guarda Municipal?
De acordo com o artigo 144 da Constituição, a segurança pública é de responsabilidade do Estado e exercida por órgãos específicos, como as polícias federal, rodoviária federal, civil e militar, além dos corpos de bombeiros militares.
O parágrafo 8º permite aos municípios criarem guardas municipais, mas com a função clara de proteger bens, serviços e instalações municipais, sem poder de policiamento ostensivo ou investigação criminal.
Para os advogados Luiz Gabriel de Oliveira e Silva Cury, em artigo publicado no site Conjur, a distinção é essencial para evitar um desvirtuamento da atuação das guardas municipais.
“O texto constitucional é claro ao não incluir as guardas no rol de órgãos de segurança pública. Criar uma nova instituição municipal de segurança exigiria uma emenda à Constituição, não uma simples lei municipal”, afirmam.
STF amplia o papel das guardas, mas STJ impõe limites
O Supremo Tribunal Federal, ao julgar a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 995, reconheceu as guardas municipais como integrantes do Sistema Único de Segurança Pública (SUSP).
O entendimento da Corte foi que as guardas desempenham um papel essencial na segurança da comunidade e não podem ser excluídas desse sistema.
No entanto, a decisão não foi suficiente para eliminar todas as controvérsias. Em fevereiro de 2025, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) reforçou que a atuação das guardas deve se restringir à proteção do patrimônio público e ao apoio às forças policiais, sem funções de investigação ou policiamento ostensivo.
Para o professor Renato Brasileiro, especialista em Direito Penal, “não cabe às guardas municipais realizar abordagens em pontos de tráfico ou revistar indivíduos suspeitos. Isso é papel das polícias”.
A posição dele é compartilhada por Cury, que alerta para o risco de conflitos institucionais caso as atribuições das guardas sejam ampliadas sem base legal.
A polêmica proposta da Prefeitura do Rio
Em 17 de fevereiro de 2025, o prefeito Eduardo Paes enviou à Câmara de Vereadores um projeto de lei para criar a Força de Segurança Municipal (FSM).
A proposta prevê que agentes da FSM sejam treinados e atuem armados, patrulhando a cidade de forma complementar às forças policiais estaduais e federais.
Para Oliveira e Cury, o projeto é inconstitucional, pois cria um novo órgão de segurança sem previsão na Constituição Federal. “A falta de previsão legal não pode ser resolvida por uma lei municipal. Uma alteração desse porte precisaria passar pelo Congresso Nacional, via emenda constitucional”, explicam os advogados.
O debate sobre a proposta gerou reações divergentes entre especialistas. Enquanto defensores da FSM afirmam que a segurança pública precisa de reforço imediato, opositores temem um abuso de poder e possíveis conflitos de competência com as polícias estaduais.
STF pode errar? O dilema jurídico
A decisão do STF que ampliou a atuação das guardas municipais foi criticada por alguns juristas, que veem no julgamento uma tentativa de reinterpretação constitucional sem alteração formal no texto legal.
Citando Rui Barbosa, Oliveira e Cury destacam: “O STF, não sendo infalível, pode errar. Mas a alguém deve ficar o direito de errar por último”.
Dessa forma, o impasse permanece: as guardas municipais podem ou não exercer funções de policiamento ostensivo?
O futuro das guardas municipais no Brasil
Com o crescimento da violência urbana, muitos gestores municipais buscam reforçar a segurança local. Entretanto, a solução encontrada por algumas prefeituras pode esbarrar em questionamentos legais e até mesmo ser derrubada na Justiça.
Diante desse cenário, especialistas sugerem que uma possível solução seria o Congresso Nacional debater e aprovar uma emenda constitucional que regulamente definitivamente a atuação das guardas municipais. Sem isso, qualquer tentativa de ampliação de suas atribuições pode ser considerada inconstitucional.